Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 26 de agosto de 2018

José Paulo Paes - Nova Ode ao Burguês

Paes dialoga, neste poema, com a famosa “Ode ao Burguês”, de Mário de Andrade, que lança invectivas à figura do burguês, demarcando com rigidez a vida de riqueza e elegância dos grã-finos que viviam ao longo da Avenida Paulista, em São Paulo, assim como em residenciais nos Jardins, em palacetes extravagantes, atrevidamente pomposos, lídimos monumentos erigidos a partir do ‘boom’ do café.

 

A versão de Paes do burguês já é menos extroversa, embora nada laudatória como a de Andrade, contemplando a figura a partir de um cenário íntimo, para revelar-lhe o estado mental turbilhonado por visões criadas, talvez, pela ingestão de drogas ou bebidas alcoólicas, mais ainda nutrido pela escuta de ‘blues’, ao fundo.

 

J.A.R. – H.C.

 

José Paulo Paes

(1926-1998)

 

Nova Ode ao Burguês

 

As paredes, imóveis como porto,

Guardam-lhe o corpo de pedra cautelosa.

Um horizonte de nuvens o desposa,

Mas ele, receoso, não desliza.

 

Numa dança contínua, as coisas voam.

Há em tudo lampejos de recreio.

Voam pássaros no quarto, e o voo alheio

Deixa em seu peito um pássaro ofegante.

 

No crepúsculo do copo esconde a face

E o peixe esguio, entrando-lhe a garganta,

Provoca um oceano, de onde nascem

Permanências de água tumultuosa.

 

Quando o íntimo duelo nele instala

Sua esfera, noturna aparição,

blues terrível rasteja pela sala,

Morde-lhe o coração de sangue e vento.

 

Em: “Epigramas” (1958)

 

Retrato de Paul Guillaume

(Amedeo Modigliani: artista italiano)

 

Referência:

 

PAES, José Paulo. Nova ode ao burguês. In: __________. Poemas reunidos. São Paulo, SP: Cultrix, 1961. p. 32. (Coleção ‘Letras Brasileiras’)

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