Paes
dialoga, neste poema, com a famosa “Ode ao Burguês”, de
Mário de Andrade, que lança invectivas à figura do burguês, demarcando com
rigidez a vida de riqueza e elegância dos grã-finos que viviam ao longo da
Avenida Paulista, em São Paulo, assim como em residenciais nos Jardins, em
palacetes extravagantes, atrevidamente pomposos, lídimos monumentos erigidos a
partir do ‘boom’ do café.
A
versão de Paes do burguês já é menos extroversa, embora nada laudatória como a
de Andrade, contemplando a figura a partir de um cenário íntimo, para
revelar-lhe o estado mental turbilhonado por visões criadas, talvez, pela
ingestão de drogas ou bebidas alcoólicas, mais ainda nutrido pela escuta de
‘blues’, ao fundo.
J.A.R.
– H.C.
José Paulo Paes
(1926-1998)
Nova Ode ao Burguês
As paredes, imóveis como porto,
Guardam-lhe o corpo de pedra cautelosa.
Um horizonte de nuvens o desposa,
Mas ele, receoso, não desliza.
Numa dança contínua, as coisas voam.
Há em tudo lampejos de recreio.
Voam pássaros no quarto, e o voo alheio
Deixa em seu peito um pássaro ofegante.
No crepúsculo do copo esconde a face
E o peixe esguio, entrando-lhe a garganta,
Provoca um oceano, de onde nascem
Permanências de água tumultuosa.
Quando o íntimo duelo nele instala
Sua esfera, noturna aparição,
O blues terrível rasteja pela sala,
Morde-lhe o coração de sangue e vento.
Em: “Epigramas” (1958)
Retrato de Paul Guillaume
(Amedeo Modigliani: artista italiano)
Referência:
PAES,
José Paulo. Nova ode ao burguês. In: __________. Poemas reunidos.
São Paulo, SP: Cultrix, 1961. p. 32. (Coleção ‘Letras Brasileiras’)
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