Mesmo no espaço inóspito do cerrado nordestino a poesia é capaz de
brotar. E se não for regada pela chuva natural, por ali tão rarefeita, é
fecundada pela tinta do poeta, capaz de extrair daquele espaço geográfico – no
qual sobressaem os cactos em meio à caatinga – a beleza abstrata e o intrincado
das formas, inscrevendo-os numa moldura oferecida ao leitor, que a completará conforme
suas próprias idiossincrasias.
Como a flor do mandacaru, a poesia, dessa maneira, salta aos olhos,
transformando uma realidade que, no primeiro plano, pode parecer inclemente, em
outra despojada do desencanto que fustiga o coração humano, fertilizando-o com
os mistérios e enigmas deste mundo, à espera de nossa decifração.
J.A.R. – H.C.
Mauro Mota
(1911-1984)
Cacto
Insólito, agressivo,
de pudor botânico:
cacto.
Espantalho
da chuva,
bandido xerófilo,
multiapunhalante.
Mãos ásperas
lixam o tempo.
A língua
dura e espinhenta
lambe e fere
o ígneo vento.
Cacto de aço
verde árido.
Mas
com o pranto nas
raízes
e o impacto cromático
da flor cactácea
que se
abre neste mormaço.
Em: “O Galo e o Cata-vento” (1962)
Cactos no semiárido
do nordeste brasileiro
Referência:
MOTA, Mauro. Cacto. In: __________. Antologia poética. Rio de Janeiro, GB:
Leitura, fev. 1968. p. 79.
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