Não sei se estaria
sendo um pouco – como diria? – inexato se dissesse que os poemas de Celan são
apenas vagamente passíveis de interpretação pelo leitor, devido aos explícitos
atributos herméticos, para os quais talvez apenas o próprio autor estivesse capacitado
para desenvolver escólios à altura.
Contudo o meu nome é desacato (rs), e
para um poema que compõe uma obra dedicada aos sem-voz e ao mutismo associado
às perdas do passado e à memória dos mortos, faço ecoar algumas palavras que
nada mais são do que uma afronta ao silêncio que finaliza o próprio poema.
Num discurso dialógico, cada falante
acha-se de um lado das barras e não exatamente no mesmo nível comunicacional:
há algo de humano inconversível em palavras, a evidenciar a impotência do
idioma. Se existe uma convergência no olhar, pouco a pouco ela se desfaz ao
pender-se a mirada rumo às “poças cinza-coração”, isso porque há maior nitidez
no peso do silêncio produzido pelas lágrimas do que no peso da fala.
O poeta, obviamente, dedica-se a
explorar o espaço não-verbal, os interstícios que impedem a plena expressão do
espírito, atrás das grades naturalizadas, autoimpostas ou suscitas pelas
convenções, mas de todo modo, de difícil transposição. Porém, se são grades de
fato, permitem abertura, facultando o redimensionamento do peso das palavras,
sem o que acabaremos por ruir em irremediável solipsismo.
Paul Celan
(1920-1970)
Sprachgitter
Augenrund zwischen den Stäben.
Flimmertier Lid
rudert nach oben,
gibt einen Blick frei.
Iris, Schwimmerin, traumlos und trüb:
der Himmel, herzgrau, muß nah sein.
Schräg, in der eisernen Tülle,
der blakende Span.
Am Lichtsinn
errätst du die Seele.
(Wär ich wie du. Wärst du wie ich.
Standen wir nicht
unter einem Passat?
Wir sind Fremde.)
Die Fliesen. Darauf,
dicht beieinander, die beiden
herzgrauen Lachen:
zwei
Mundvoll
Schweigen.
São Paulo na prisão
(Rembrandt:
pintor holandês)
Prisão da Palavra
Olho redondo entre as barras.
Pálpebra de animal cintilante
rema para cima,
libera um olhar.
Íris, nadadora, sem sonhos e triste:
o céu, cinza-coração, deve estar
próximo.
Inclinada, no bico de ferro,
a limalha fumegante.
No sentido da luz
adivinhas a alma.
(Se eu fosse como tu. Se fosses como
eu.
Não estaríamos
sob um mesmo alísio?
Somos estranhos.)
Os ladrilhos. Por cima,
uma junto à outra, as duas
poças cinza-coração:
dois
bocados
de silêncio.
Referência:
❁
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