Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Wallace Stevens - Homem carregando coisa ‎

Eis aqui, como muitos já postados neste bloguinho, mais um exercício de metapoética, ou melhor, de teorização poética, a conjecturar, primeiramente, que o conceito do labor de quem se dedica à poesia se parece a algo resistente à identificação, a exemplo daquilo que o homem não nomeado do título carrega numa noite invernal, como os primeiros flocos de neve a inibir a clareza dos pensamentos.

Nesse contexto, o argumento de Stevens parece firmar-se na sugestão de que deveríamos aceitar nossa carência de compreensão imediata do poema, até que essa adjunta massa de dúvidas se decante por exposição ao tempo e venha a subsistir no óbvio imerso no frio, brilhante e inerte. Poderemos, assim, superar as dificuldades de interpretação, as ambiguidades que porventura existam numa primeira leitura, distanciando-nos das limitações das paráfrases ligeiras.

O poema insinua, ainda, que um estado de espírito aberto à indeterminação do poema, por parte do leitor, pode favorecer-lhe o gozo estético, mesmo a despeito de não se cumprir a pretensão intelectual de esgotar-lhe todas as figuras, conexões, alusões, prescrições – se a tanto este se propuser.

J.A.R. – H.C.

Wallace Stevens
(1879-1955)

Man carrying thing

The poem must resist the intelligence
Almost successfully. Illustration:

A brune figure in winter evening resists
Identity. The thing he carries resists

The most necessitous sense. Accept them, then,
As secondary (parts not quite perceived

Of the obvious whole, uncertain particles
Of the certain solid, the primary free from doubt,

Things floating like the first hundred flakes of snow
Out of a storm we must endure all night,

Out of a storm of secondary things),
A horror of thoughts that suddenly are real.

We must endure our thoughts all night, until
The bright obvious stands motionless in cold.

Esposas de mineiros
carregando sacas de carvão
(Vincent van Gogh: pintor holandês)

Homem carregando coisa

O poema tem que resistir à inteligência
Até quase conseguir. Exemplo:

Vulto pardo em tarde de inverno resiste
À identidade. O que ele carrega resiste

Ao sentido mais premente. Aceite-os, pois,
Como secundários (partes semipercebidas

Do todo óbvio, partículas incertas
Do sólido certo, primário indubitável,

Coisas a flutuar como os cem primeiros flocos
Da nevasca que há que suportar a noite inteira,

De uma tormenta de coisas secundárias),
Horror de pensamentos súbito reais.

Temos que suportá-los a noite inteira, até
Que o claro óbvio se mostre, imóvel, no frio.

Referência:

STEVENS, Wallace. Man carrying thing / Homem carregando coisa. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. O imperador do sorvete e outros poemas. Seleção, tradução, apresentação e notas de Paulo Henriques Britto. 1. ed. ver. e ampl. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. Em inglês: p. 156; em português: p. 157.

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