Eis aqui, como muitos já postados neste bloguinho, mais um exercício de
metapoética, ou melhor, de teorização poética, a conjecturar, primeiramente,
que o conceito do labor de quem se dedica à poesia se parece a algo resistente
à identificação, a exemplo daquilo que o homem não nomeado do título carrega numa noite invernal,
como os primeiros flocos de neve a inibir a clareza dos pensamentos.
Nesse contexto, o argumento de Stevens parece firmar-se na sugestão de
que deveríamos aceitar nossa carência de compreensão imediata do poema, até que
essa adjunta massa de dúvidas se decante por exposição ao tempo e venha a subsistir
no óbvio imerso no frio, brilhante e inerte. Poderemos, assim, superar as
dificuldades de interpretação, as ambiguidades que porventura existam numa
primeira leitura, distanciando-nos das limitações das paráfrases ligeiras.
O poema insinua, ainda, que um estado de espírito aberto à
indeterminação do poema, por parte do leitor, pode favorecer-lhe o gozo
estético, mesmo a despeito de não se cumprir a pretensão intelectual de
esgotar-lhe todas as figuras, conexões, alusões, prescrições – se a tanto este
se propuser.
J.A.R. – H.C.
Wallace Stevens
(1879-1955)
Man carrying thing
The poem must resist
the intelligence
Almost successfully.
Illustration:
A brune figure in
winter evening resists
Identity. The thing
he carries resists
The most necessitous
sense. Accept them, then,
As secondary (parts
not quite perceived
Of the obvious whole,
uncertain particles
Of the certain solid,
the primary free from doubt,
Things floating like
the first hundred flakes of snow
Out of a storm we
must endure all night,
Out of a storm of
secondary things),
A horror of thoughts
that suddenly are real.
We must endure our
thoughts all night, until
The bright obvious
stands motionless in cold.
Esposas de mineiros
carregando sacas de carvão
(Vincent van Gogh:
pintor holandês)
Homem carregando coisa
O poema tem que
resistir à inteligência
Até quase conseguir.
Exemplo:
Vulto pardo em tarde
de inverno resiste
À identidade. O que
ele carrega resiste
Ao sentido mais
premente. Aceite-os, pois,
Como secundários
(partes semipercebidas
Do todo óbvio,
partículas incertas
Do sólido certo,
primário indubitável,
Coisas a flutuar como
os cem primeiros flocos
Da nevasca que há que
suportar a noite inteira,
De uma tormenta de
coisas secundárias),
Horror de pensamentos
súbito reais.
Temos que suportá-los
a noite inteira, até
Que o claro óbvio se
mostre, imóvel, no frio.
Referência:
STEVENS, Wallace. Man carrying thing /
Homem carregando coisa. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. O imperador do sorvete e outros poemas.
Seleção, tradução, apresentação e notas de Paulo Henriques Britto. 1. ed. ver.
e ampl. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. Em inglês: p. 156; em
português: p. 157.
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