Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 19 de maio de 2018

Cecília Meireles - Taj-Mahal ‎

Cecília, por muitos considerada uma das maiores poetisas da língua portuguesa, esmera-se nesta descrição do monumento indiano, capturando-o quer no domínio tangível – afinal, trata-se de uma obra-prima da arquitetura –, quer no incorpóreo – ante o amor que se protrai no tempo, para além da morte, rumo à eternidade.

Há sensibilidade o bastante para apreender a beleza que os olhos avistam, transformando-a em outra modalidade de beleza – a das palavras –, carregando consigo o pleno sentido do que seja a poesia, a perdurar como o próprio perfume da flor do bogarizeiro, aliás, uma espécie de arbusto nativo da Índia.

J.A.R. – H.C.

Cecília Meireles
(1901-1964)

Taj-Mahal

Somos todos fantasmas
evaporados entre água e frondes,
com o luar e o zumbido do silêncio,
a música dos insetos,
gaze tensa na solidão.

De vez em quando, uma borbulha d’água:
pérola desabrochada,
súbito jasmim de cristal aos nossos pés.

Fantasmas de magnólias, as cúpulas brancas,
orvalhadas de estrelas, na friagem noturna.

Tudo como através de lágrimas,
com as bordas franjadas de antiguidade,
de indecisos limites,
e um vago aroma vegetal, logo esquecido.

Tudo celeste, inumano, intocável,
subtraindo-se ao olhar, às mãos:
fuga das rendas de alabastro e dos jardins minerais,
com lírios de turquesa e calcedônia
pelas paredes;
fuga das escadas pelos subterrâneos.
E os pés naufragando em sombra.

Eis o sono da rainha adorada:
longo sono sob mil arcos, de eco em eco.
(Fuga das vozes, livres de lábios, independentes,
continuando-se...)

Vêm morrer castamente os bogaris sobre os túmulos.

Movem-se apenas sedas, xales de lã,
alvuras: como sem corpo nenhum.

Tudo mais está imóvel, estático:
mesmo o rio, essa vencida espada d’água:
mesmo o lago, esse rosto dormente.

Entre a morte e a eternidade, o amor,
essa memória para sempre.

Foi uma borbulha d’água que ouvimos?
Uma flor que desabrochou?
Uma lágrima na sombra da noite,
em algum lugar?

Taj-Mahal 

Referência:

MEIRELES, Cecília. Taj-mahal. In: __________. Antologia poética. Seleção da autora. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2004. p. 290-291.

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