Cecília, por muitos
considerada uma das maiores poetisas da língua portuguesa, esmera-se nesta
descrição do monumento indiano, capturando-o quer no domínio tangível – afinal,
trata-se de uma obra-prima da arquitetura –, quer no incorpóreo – ante o amor que
se protrai no tempo, para além da morte, rumo à eternidade.
Há sensibilidade o bastante para
apreender a beleza que os olhos avistam, transformando-a em outra modalidade de
beleza – a das palavras –, carregando consigo o pleno sentido do que seja a
poesia, a perdurar como o próprio perfume da flor do bogarizeiro, aliás, uma
espécie de arbusto nativo da Índia.
Cecília Meireles
(1901-1964)
Taj-Mahal
Somos todos fantasmas
evaporados entre água e frondes,
com o luar e o zumbido do silêncio,
a música dos insetos,
gaze tensa na solidão.
De vez em quando, uma borbulha d’água:
pérola desabrochada,
súbito jasmim de cristal aos nossos
pés.
Fantasmas de magnólias, as cúpulas
brancas,
orvalhadas de estrelas, na friagem
noturna.
Tudo como através de lágrimas,
com as bordas franjadas de antiguidade,
de indecisos limites,
e um vago aroma vegetal, logo
esquecido.
Tudo celeste, inumano, intocável,
subtraindo-se ao olhar, às mãos:
fuga das rendas de alabastro e dos
jardins minerais,
com lírios de turquesa e calcedônia
pelas paredes;
fuga das escadas pelos subterrâneos.
E os pés naufragando em sombra.
Eis o sono da rainha adorada:
longo sono sob mil arcos, de eco em
eco.
(Fuga das vozes, livres de lábios,
independentes,
continuando-se...)
Vêm morrer castamente os bogaris sobre
os túmulos.
Movem-se apenas sedas, xales de lã,
alvuras: como sem corpo nenhum.
Tudo mais está imóvel, estático:
mesmo o rio, essa vencida espada
d’água:
mesmo o lago, esse rosto dormente.
Entre a morte e a eternidade, o amor,
essa memória para sempre.
Foi uma borbulha d’água que ouvimos?
Uma flor que desabrochou?
Uma lágrima na sombra da noite,
em
algum lugar?
Taj-Mahal
Referência:
❁
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