Provavelmente
assediada pela insônia, a poetisa pervaga pelos domínios onde a poesia paira,
procurando transcrevê-la ao papel, de modo a inquietar “as marés do silêncio da
palavra ainda não escrita nem pronunciada”, tal que toda inquietação que lhe
vai no espírito se atenue e vingue o indesejado estado de vigília.
Ao dar continuidade
ao ensaio das palavras, Savary espera atravessar a noite fazendo revolver em
fogo mental – no cadinho alquímico do poema –, as suas próprias incertezas,
interrogantes, tribulações e adversidades, perseguindo assim, talvez num
esforço de Sísifo, o sentido último da verdade que somente as estrelas
conhecem.
J.A.R. – H.C.
Olga Savary
(n. 1933)
Insônia
A José Carlos Audíface Brito
Quero escrever um poema irritado.
Quero vingar meu sono dividido
(busco palavras que interroguem essa alquimia
do poema, que vire a noite em fogo vário
e a lua em pegada escondida atrás do muro
– vagaroso desmoronar de extinto voo).
Quero um poema ainda não pensado,
que inquiete as marés de silêncio da palavra
ainda não escrita nem pronunciada,
que vergue o ferruginoso canto do oceano
e reviva a ruína que são as poças d’água.
Quero um poema para vingar minha insônia.
Rio de Janeiro, março 1950
Em: “Espelho Provisório: 1947-1970”
I – Pássaros da Memória
Voo da Musa
(Paul Bond: pintor mexicano)
Referência:
SAVARY, Olga.
Insônia. Repertório selvagem. Obra reunida: 12 livros de poesia
(1947-1998). Rio de Janeiro, RJ: Biblioteca Nacional; MultiMais; Universidade
de Mogi das Cruzes, 1998. p. 26.
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