Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Olga Savary - Insônia

Provavelmente assediada pela insônia, a poetisa pervaga pelos domínios onde a poesia paira, procurando transcrevê-la ao papel, de modo a inquietar “as marés do silêncio da palavra ainda não escrita nem pronunciada”, tal que toda inquietação que lhe vai no espírito se atenue e vingue o indesejado estado de vigília.

 

Ao dar continuidade ao ensaio das palavras, Savary espera atravessar a noite fazendo revolver em fogo mental – no cadinho alquímico do poema –, as suas próprias incertezas, interrogantes, tribulações e adversidades, perseguindo assim, talvez num esforço de Sísifo, o sentido último da verdade que somente as estrelas conhecem.

 

J.A.R. – H.C.

 

Olga Savary

(n. 1933)

 

Insônia

 

A José Carlos Audíface Brito

 

Quero escrever um poema irritado.

Quero vingar meu sono dividido

(busco palavras que interroguem essa alquimia

do poema, que vire a noite em fogo vário

e a lua em pegada escondida atrás do muro

– vagaroso desmoronar de extinto voo).

Quero um poema ainda não pensado,

que inquiete as marés de silêncio da palavra

ainda não escrita nem pronunciada,

que vergue o ferruginoso canto do oceano

e reviva a ruína que são as poças d’água.

Quero um poema para vingar minha insônia.

 

Rio de Janeiro, março 1950

 

Em: “Espelho Provisório: 1947-1970”

I – Pássaros da Memória

 

Voo da Musa

(Paul Bond: pintor mexicano)

 

Referência:

 

SAVARY, Olga. Insônia. Repertório selvagem. Obra reunida: 12 livros de poesia (1947-1998). Rio de Janeiro, RJ: Biblioteca Nacional; MultiMais; Universidade de Mogi das Cruzes, 1998. p. 26.

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