Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 13 de maio de 2018

Gomes Leal - Às Mães ‎

O poeta se dirige às mulheres e presumíveis mães, para que presenciem a história que haverá de contar às suas crianças, vale dizer, a narrativa de um homem que, na Judeia, nasceu e teve o seu fim no Calvário, nada havendo escrito de próprio punho, muito embora os herdeiros de sua mensagem tenham-na levado aos quatro cantos da terra.

Diria o rabino: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos, pois dias virão em que se dirá: ‘Felizes as estéreis, os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram’”. (Lucas: 23; 28-29). Mas imagino que ainda não chegamos lá. Enquanto isso, faço coro ao Cazuza: “Só as mães são felizes!”.

J.A.R. – H.C.

Gomes Leal
(1848-1921)

Às Mães

Ó suaves mulheres! que ides cantando
através das searas e das vinhas,
vinde ouvir uma história em verso brando,
– que hei-de ensinar a ler às criancinhas.

É uma história florida como as rosas!
Quero contá-la aos vossos querubins,
pelo luar – às horas religiosas –
quando os cravos concebem e os jasmins.

Quero falar de um ente extraordinário,
trágico, meigo, místico, suave,
de um leão que morreu sobre um Calvário,
– e que deixou um testamento de ave.

Vinde escutar a história em Galileia,
seu suor, sua morte e seu lençol,
e quando electrizava a vil Judeia,
com seus olhos brilhantes como o sol.

Desoladas mulheres que ides chorando
os maridos que vão para os degredos,
por alta lua, os filhos embalando,
com cantigas que fendem os rochedos!...

Vinde buscar a cura a vossos males,
na narração das lágrimas, das dores,
do que andava nos rios e nos vales,
com os simples, os chãos, os pescadores!

Vinde ouvir como andava largos dias,
nos lagos e baías prazenteiras,
e electrizava as almas das judias,
sob os seus véus, debaixo das palmeiras.

Vinde escutar as lástimas estranhas
das filhas de Sião de longas tranças,
como ele amava os lagos, as montanhas,
as pombas, os doentes, as crianças!

Vinde escutar seus prantos nos abrolhos,
nas montanhas seu verbo às multidões,
e a expulsar dos demónios as legiões,
a forte luz terrível de seus olhos.

Ó suaves mulheres! que estais cantando
ao pôr do sol, olhando as andorinhas,
vinde ouvir uma história, em verso brando,
– que hei-de ensinar a ler às criancinhas.

Madona do Grão-Duque
(Rafael Sanzio: pintor italiano)

Referência:

LEAL, Gomes. Às mães. In: TORRES, Alexandre Pinheiro (Introdução, selecção e notas). Antologia da poesia portuguesa: séc. XII – séc. XX. Vol. II: sécs. XVII – XX. Porto, PT: Lello & Irmão, 1977. p. 1085-1086.

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