O poeta se dirige às mulheres e presumíveis mães, para que presenciem a
história que haverá de contar às suas crianças, vale dizer, a narrativa de um homem
que, na Judeia, nasceu e teve o seu fim no Calvário, nada havendo escrito de
próprio punho, muito embora os herdeiros de sua mensagem tenham-na levado aos
quatro cantos da terra.
Diria o rabino: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai antes
por vós mesmas e pelos vossos filhos, pois dias virão em que se dirá: ‘Felizes
as estéreis, os ventres que não geraram e os peitos que não amamentaram’”. (Lucas:
23; 28-29). Mas imagino que ainda não chegamos lá. Enquanto isso, faço coro ao
Cazuza: “Só as mães são felizes!”.
J.A.R. – H.C.
Gomes Leal
(1848-1921)
Às Mães
Ó suaves mulheres! que
ides cantando
através das searas e
das vinhas,
vinde ouvir uma
história em verso brando,
– que hei-de ensinar
a ler às criancinhas.
É uma história
florida como as rosas!
Quero contá-la aos
vossos querubins,
pelo luar – às horas
religiosas –
quando os cravos
concebem e os jasmins.
Quero falar de um
ente extraordinário,
trágico, meigo,
místico, suave,
de um leão que morreu
sobre um Calvário,
– e que deixou um
testamento de ave.
Vinde escutar a
história em Galileia,
seu suor, sua morte e
seu lençol,
e quando electrizava a
vil Judeia,
com seus olhos brilhantes
como o sol.
Desoladas mulheres
que ides chorando
os maridos que vão
para os degredos,
por alta lua, os
filhos embalando,
com cantigas que
fendem os rochedos!...
Vinde buscar a cura a
vossos males,
na narração das
lágrimas, das dores,
do que andava nos
rios e nos vales,
com os simples, os
chãos, os pescadores!
Vinde ouvir como
andava largos dias,
nos lagos e baías
prazenteiras,
e electrizava as
almas das judias,
sob os seus véus,
debaixo das palmeiras.
Vinde escutar as
lástimas estranhas
das filhas de Sião de
longas tranças,
como ele amava os
lagos, as montanhas,
as pombas, os
doentes, as crianças!
Vinde escutar seus
prantos nos abrolhos,
nas montanhas seu
verbo às multidões,
e a expulsar dos demónios
as legiões,
Ó suaves mulheres!
que estais cantando
ao pôr do sol,
olhando as andorinhas,
vinde ouvir uma história,
em verso brando,
– que hei-de ensinar
a ler às criancinhas.
Madona do Grão-Duque
(Rafael Sanzio:
pintor italiano)
Referência:
LEAL, Gomes. Às mães. In: TORRES,
Alexandre Pinheiro (Introdução, selecção e notas). Antologia da poesia portuguesa: séc. XII – séc. XX. Vol. II: sécs. XVII – XX. Porto, PT: Lello & Irmão, 1977. p. 1085-1086.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário