O poeta dirige-se a um povo provavelmente imaginário – o de Orfalese –,
muito embora se possa conceber que esteja a se referir a um povo específico –
quem sabe o libanês? –, para lhe falar sobre assuntos diversos que invadem o
espírito humano, como a liberdade, o trabalho, a amizade, a morte e outros.
O excerto a seguir diz respeito ao pronunciamento do profeta sobre a
beleza, ela que não é uma carência ou necessidade, senão um êxtase a ocorrer
entre a eternidade e o espelho, e somos quer um quer o outro, sacrossantas e
angelicais almas a planar sobre um jardim em flor.
Khalil Gibran
(1883-1931)
A Beleza
E um poeta disse:
Fala-nos da Beleza.
E ele respondeu:
Onde buscareis a
beleza, e como a
encontrareis, a não
ser que ela seja vosso
caminho e vosso guia?
E como falareis dela,
a não ser que
ela teça vosso falar?
Os aflitos e os
feridos dizem: “A
beleza é bondosa e
gentil.
Como uma mãe, meio
envergonhada
de sua própria
glória, ela caminha entre
nós”.
E os apaixonados
dizem: “Não, a
beleza é uma coisa de
poder e horror.
Como a tempestade,
ela sacode a
terra abaixo de nós e
o céu acima”.
Os cansados e
extenuados dizem:
“A beleza murmura
docemente. Ela fala
ao nosso espírito.
Sua voz ilumina nossos
silêncios
como a fraca luz que
tremula no medo
da escuridão”.
Mas os incansáveis
dizem: “Nós a
ouvimos gritar entre
as montanhas.
E com seus gritos,
vieram os sons
dos cascos, e o bater
das asas e o rugir
dos leões”.
À noite, os
sentinelas da cidade
dizem: “A beleza
surgirá com a aurora
do leste”.
E ao meio-dia, os
trabalhadores e
os caminhantes dizem:
“Nós a vimos
inclinando-se sobre a
terra pelas janelas
do crepúsculo”.
No inverno, dizem os
que estão cobertos
de neve: “Ela virá
com a primavera,
saltitando sobre as
colinas”.
E no calor do verão,
os camponeses
na colheita dizem: “Nós
a vimos dançando
com as folhas do
outono, e vimos neve
em seu cabelo”.
Todas estas coisas
dissestes da beleza.
Mas, na verdade, só
falastes dela as
necessidades não
satisfeitas, e a beleza não
é uma necessidade, mas
sim um êxtase.
Não é uma boca que
tem sede, nem uma
mão vazia estendida
para frente, mas um
coração inflamado e
uma alma encantada.
Não é a imagem que
veríeis, nem a canção
que ouviríeis, mas
uma imagem que vedes,
apesar de vossos
olhos estarem fechados,
e uma canção que
ouvíeis, apesar de vossos
ouvidos estarem
surdos.
Não é a seiva dentro
da casca sulcada,
nem uma asa ligada a
uma garra, mas um
jardim sempre em flor
e um bando de anjos
sempre em voo.
Povo de Orfalese, a
beleza é vida quando
a vida revela sua
face sagrada.
Mas vós sois a vida e
vós sois o véu.
A beleza é a
eternidade mirando-se
num espelho.
Mas vós sois
eternidade e vós sois o espelho.
Lendo à Janela
(Charles
James Lewis: pintor inglês)
Referência:
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