Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Ruy Proença - Esculápio ‎

Não sei ao certo as razões pelas quais o poeta intitulou o poema com o nome do mito grego, muito embora julgue que talvez haja alguma conexão com o fato de Esculápio, pelos dotes médicos e curativos que possuía, ter adquirido a habilidade de reconduzir os mortos à vida.

Mas ora veja: conta-nos Platão no “Fédon, que Sócrates, antes que a cicuta lhe fizesse o efeito desejado, dirigiu-se aos presentes, entre os quais Críton, dizendo-lhes que deviam um galo a Asclépio, um outro nome para Esculápio. Só não se disse de que mal Asclépio os teria livrado. Deixo isso para os espíritos filosóficos e especulativos!

Mas no presente contexto, em meio ao cenário escatológico criado pelo poeta, tudo expressa finitude e hecatombe – cruzes de PVC, chuva ácida, terremoto e por aí vai –, só nos restando a cura que poderia uma deidade oferecer, para reformular a história da humanidade desde a noite dos tempos – a Parúsia de que nos fala Yeats, no poema “The Second Coming” (“O Segundo Advento”): “tudo será reescrito / uma vez apenas / desde o início”.

J.A.R. – H.C.

Ruy Proença
(n. 1957)

Esculápio

Carneiros descerão do céu
e pousarão nas cidades
com seus balidos de nuvem.

Um bando de mendigos e camundongos
cruzará a chuva ácida
mas nenhum conseguirá fixar suas raízes
no porão da noite.

Os campos mostrarão
sua terrível vocação:
milhares de hectares plantados
com cruzes brancas de PVC.

Fones de ouvido secretarão
o chumbo quente das canções
do hit-parade do inferno.

O 13º signo virá
e vincará nossos ossos
ao ritmo do terremoto.

Tudo para dizer
que tudo será reescrito
uma vez apenas
desde o início.

Transformação
(Alex Fishgoyt: artista crimeu)

Referência:

PROENÇA, Ruy. Esculápio. In: PINTO, Manuel da Costa (Edição, Seleção e Comentários). Antologia comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo: Publifolha, 2006. p. 311.

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