Não sei ao certo as razões pelas quais o poeta intitulou o poema com o
nome do mito grego, muito embora julgue que talvez haja alguma conexão com o
fato de Esculápio, pelos dotes médicos e curativos que possuía, ter adquirido a
habilidade de reconduzir os mortos à vida.
Mas ora veja: conta-nos Platão no “Fédon”, que Sócrates, antes que a
cicuta lhe fizesse o efeito desejado, dirigiu-se aos presentes, entre os quais
Críton, dizendo-lhes que deviam um galo a Asclépio, um outro nome para
Esculápio. Só não se disse de que mal Asclépio os teria livrado. Deixo isso
para os espíritos filosóficos e especulativos!
Mas no presente contexto, em meio ao cenário escatológico criado pelo
poeta, tudo expressa finitude e hecatombe – cruzes de PVC, chuva ácida, terremoto
e por aí vai –, só nos restando a cura que poderia uma deidade oferecer, para
reformular a história da humanidade desde a noite dos tempos – a Parúsia de que
nos fala Yeats, no poema “The Second Coming” (“O Segundo Advento”):
“tudo será reescrito / uma vez apenas / desde o início”.
J.A.R. – H.C.
Ruy Proença
(n. 1957)
Esculápio
Carneiros descerão do
céu
e pousarão nas
cidades
com seus balidos de
nuvem.
Um bando de mendigos
e camundongos
cruzará a chuva ácida
mas nenhum conseguirá
fixar suas raízes
no porão da noite.
Os campos mostrarão
sua terrível vocação:
milhares de hectares
plantados
com cruzes brancas de
PVC.
Fones de ouvido secretarão
o chumbo quente das
canções
do hit-parade do inferno.
O 13º signo virá
e vincará nossos
ossos
ao ritmo do
terremoto.
Tudo para dizer
que tudo será
reescrito
uma vez apenas
desde o início.
Transformação
(Alex Fishgoyt:
artista crimeu)
Referência:
PROENÇA, Ruy. Esculápio. In: PINTO,
Manuel da Costa (Edição, Seleção e Comentários). Antologia comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo:
Publifolha, 2006. p. 311.
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