Ary dos Santos teoriza sobre a
necessidade de a poesia ser tão contemporânea quanto possível às experiências
do poeta – e vai buscar respaldo para tal asserção em Aristóteles, o filósofo
estagirita que nos legou um conjunto de anotações recolhidas à obra “Poética”,
ora pois, ironicamente já tão distante no tempo, que Ary dos Santos o retrata
como sendo uma “visita” à casa de sua avó.
Além do mais, parece-me que o poema
responde à audiência sobre os motivos pelos quais o poeta prefere manter-se
sozinho a estar mal acompanhado, e não se sabe se essa companhia há de ser
entendida em sentido estrito ou possa também valer para algo como a opção de
pertencimento a uma escola ou vanguarda literária. Quem nos dirá?!...
J.A.R. – H.C.
Arte Peripoética
Aristóteles, visita
da casa de minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só
esta maneira de ser
contra a maneira do tempo
esta maneira de ver
o que o tempo tem por dentro.
Aristóteles diria
entre dois golos de chá
que o melhor ainda seria
deixar o tempo onde está
pô-lo de perto no tema
e de parte na poesia
para manter o poema
dentro da ordem do dia.
Aristóteles, visita
da casa de minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só.
Ele sabia que o poeta
depois de tudo inventado
depois de tudo previsto
de tudo vistoriado
teria de fazer isto
para não continuar
o que já estava acabado
teria de ser presente
não futuro antecipado
não profeta não vidente
mas aço bem temperado
cachorro ferrando o dente
na canela do passado
adaga cravando a ponta
no coração do sentido
palavra osso furando
pele de cão perseguido.
Aristóteles, visita
da casa de minha avó,
não acharia esquisita
esta forma de estar só
esta maneira de riso
que é a mais original
forma de se ter juízo
e ser poeta actual.
Aristóteles, visita
da casa de minha avó,
também diria antes só
do que mal acompanhado
antes morto emparedado
em muro de pedra e cal
aonde não entre bicho
que não seja essencial
à evasão da palavra
deste
silêncio mortal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário