Não custa crer que o poeta espanhol, ao afirmar que não teve amor pelas
palavras, de fato, não esteja falando a verdade, ou melhor, apenas busque
entretecer um jogo para chamar a atenção do leitor. Afinal, se for um literato
sério, com qual outro instrumento poderá contar, senão com as aludidas
palavras?!
E mais: a dar crédito a John Austin, têm elas tanto poder que são
capazes de concretizar inúmeras operações humanas, porquanto o ato de dizer dá
ensejo a um executar, a um fazer, a uma prática. E complemento eu, elas
permitem a verbalização da própria poesia, pois que, de outro modo, esta
ficaria encerrada na mente do poeta, sem aflorar rumo à audiência, perdendo-se
numa experiência solipsista. A propósito: tal não seria o mote do poema de
Brines, vale dizer, perdeu-se o poeta num mutismo fragmentário, que consistiria
numa outra forma de desamor às palavras?!...
J.A.R. – H.C.
Francisco Brines
(n. 1932)
El porqué de las palabras
No tuve amor a las
palabras;
si las usé con
desnudez, si sufrí en esa busca,
fue por necesidad de
no perder la vida,
y envejecer con algo
de memoria
y alguna claridad.
Así uní las palabras
para quemar la noche,
hacer un falso día
hermoso,
y pude conocer que
era la soledad el centro de este mundo.
Y sólo atesoré
miseria,
suspendido el placer
para experimentar una desdicha nueva,
besé en todos los
labios posada la ceniza,
y fui capaz de amar
la cobardía porque era fiel y era digna
del hombre.
Hay en mi tosca taza
un divino licor
que apuro y que
renuevo;
desasosiega, y es
remordimiento;
tengo por concubina a
la virtud.
No tuve amor a las
palabras,
¿cómo tener amor a
vagos signos
cuyo desvelamiento
era tan sólo
despertar la piedad
del hombre para consigo mismo?
En el aprendizaje del
oficio se logran resultados:
llegué a saber que
era idéntico el peso del acto que resulta
de lenta reflexión y
el gratuito,
y es fácil
desprenderse de la vida, o no estimarla,
pues es en la
desdicha tan valiosa como en la misma dicha.
Debí amar las
palabras;
por ellas comparé,
con cualquier dimensión del mundo externo:
el mar, el
firmamento,
un goce o un dolor
que al instante morían;
y en ellas alcancé la
raíz tenebrosa de la vida.
Cree el hombre que
nada es superior al hombre mismo:
ni la mayor miseria,
ni la mayor grandeza de los mundos,
pues todo lo contiene
su deseo.
Las palabras separan
de las cosas
la luz que cae en
ellas y la cáscara extinta,
y recogen los velos
de la sombra
en la noche y los
huecos;
mas no supieron separar
la lágrima y la risa,
pues eran una sola
verdad,
y valieron igual
sonrisa, indiferencia.
Todo son gestos,
muertes, son residuos.
Mirad al sigiloso
ladrón de las palabras,
repta en la noche
fosca,
abre su boca seca, y
está mudo.
En: “Insistencias en Luzbel” (1977)
Mundo de Sonhos
(Jacek Yerka: pintor
polonês)
O porquê das palavras
Não tive amor às
palavras;
se as usei com
parcimônia, se sofri nessa busca,
foi por necessidade
de não perder a vida,
e envelhecer com algo
de memória
e alguma claridade.
Assim uni as palavras
para queimar a noite,
fazer um falso e belo
dia,
com o que pude
atestar que a solidão era o centro deste mundo.
E só entesourei
miséria,
suspenso o prazer
para experimentar um novo infortúnio,
beijei em todos os
lábios estando assente a cinza,
e fui capaz de amar a
covardia porque era fiel e era digna
do homem.
Há em minha rústica
chávena um licor divino
que sorvo e que
renovo;
desassossega, e é
remorso;
tenho a virtude por
concubina.
Não tive amor às
palavras;
como ter amor a vagos
signos
cujo desvelamento era
tão somente
despertar a piedade
do homem para consigo mesmo?
Na aprendizagem do
ofício conseguem-se resultados:
cheguei a saber que
eram idênticos os pesos do ato que resulta
de lenta reflexão e o
do gratuito,
e é fácil
desprender-se da vida, ou não estimá-la,
pois é no infortúnio
tão valiosa quanto o é na própria ventura.
Deveria ter amado as
palavras;
por elas comparei,
com qualquer dimensão do mundo externo:
o mar, o firmamento,
um gozo ou uma dor
que prontamente morriam;
e nelas alcancei a
raiz tenebrosa da vida.
Crê o homem que nada
é superior ao próprio homem:
nem a maior miséria,
nem a maior grandeza dos mundos,
pois tudo o seu
desejo contém.
As palavras separam
das coisas
a luz que sobre elas
cai e a casca extinta,
e recolhem os véus da
sombra
na noite e nos
vazios;
mas não souberam
separar a lágrima do riso,
pois eram uma só
verdade,
e valeram qual sorriso,
indiferença.
Tudo são gestos,
mortes, são resíduos.
Olhai o furtivo
ladrão das palavras,
rasteja na noite sem
brilho,
abre sua boca seca, e
está mudo.
Em: “Insistências em Luzbel” (1977)
Referência:
BRINES, Francisco. El porqué de las
palabras. In: __________. Antología poética. Selección y prólogo de José Olivio
Jiménez. Madrid, ES: Alianza Editorial, 1986. p. 154-155. (“Sección:
Literatura”; “El Libro de Bolsillo”; LB 1190)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário