Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Francisco Brines - O porquê das palavras ‎

Não custa crer que o poeta espanhol, ao afirmar que não teve amor pelas palavras, de fato, não esteja falando a verdade, ou melhor, apenas busque entretecer um jogo para chamar a atenção do leitor. Afinal, se for um literato sério, com qual outro instrumento poderá contar, senão com as aludidas palavras?!

E mais: a dar crédito a John Austin, têm elas tanto poder que são capazes de concretizar inúmeras operações humanas, porquanto o ato de dizer dá ensejo a um executar, a um fazer, a uma prática. E complemento eu, elas permitem a verbalização da própria poesia, pois que, de outro modo, esta ficaria encerrada na mente do poeta, sem aflorar rumo à audiência, perdendo-se numa experiência solipsista. A propósito: tal não seria o mote do poema de Brines, vale dizer, perdeu-se o poeta num mutismo fragmentário, que consistiria numa outra forma de desamor às palavras?!...

J.A.R. – H.C.

Francisco Brines
(n. 1932)

El porqué de las palabras

No tuve amor a las palabras;
si las usé con desnudez, si sufrí en esa busca,
fue por necesidad de no perder la vida,
y envejecer con algo de memoria
y alguna claridad.

Así uní las palabras para quemar la noche,
hacer un falso día hermoso,
y pude conocer que era la soledad el centro de este mundo.
Y sólo atesoré miseria,
suspendido el placer para experimentar una desdicha nueva,
besé en todos los labios posada la ceniza,
y fui capaz de amar la cobardía porque era fiel y era digna
del hombre.

Hay en mi tosca taza un divino licor
que apuro y que renuevo;
desasosiega, y es
remordimiento;
tengo por concubina a la virtud.
No tuve amor a las palabras,
¿cómo tener amor a vagos signos
cuyo desvelamiento era tan sólo
despertar la piedad del hombre para consigo mismo?
En el aprendizaje del oficio se logran resultados:
llegué a saber que era idéntico el peso del acto que resulta
de lenta reflexión y el gratuito,
y es fácil desprenderse de la vida, o no estimarla,
pues es en la desdicha tan valiosa como en la misma dicha.

Debí amar las palabras;
por ellas comparé, con cualquier dimensión del mundo externo:
el mar, el firmamento,
un goce o un dolor que al instante morían;
y en ellas alcancé la raíz tenebrosa de la vida.
Cree el hombre que nada es superior al hombre mismo:
ni la mayor miseria, ni la mayor grandeza de los mundos,
pues todo lo contiene su deseo.

Las palabras separan de las cosas
la luz que cae en ellas y la cáscara extinta,
y recogen los velos de la sombra
en la noche y los huecos;
mas no supieron separar la lágrima y la risa,
pues eran una sola verdad,
y valieron igual sonrisa, indiferencia.
Todo son gestos, muertes, son residuos.

Mirad al sigiloso ladrón de las palabras,
repta en la noche fosca,
abre su boca seca, y está mudo.

En: “Insistencias en Luzbel” (1977)

Mundo de Sonhos
(Jacek Yerka: pintor polonês)

O porquê das palavras

Não tive amor às palavras;
se as usei com parcimônia, se sofri nessa busca,
foi por necessidade de não perder a vida,
e envelhecer com algo de memória
e alguma claridade.

Assim uni as palavras para queimar a noite,
fazer um falso e belo dia,
com o que pude atestar que a solidão era o centro deste mundo.
E só entesourei miséria,
suspenso o prazer para experimentar um novo infortúnio,
beijei em todos os lábios estando assente a cinza,
e fui capaz de amar a covardia porque era fiel e era digna
do homem.

Há em minha rústica chávena um licor divino
que sorvo e que renovo;
desassossega, e é
remorso;
tenho a virtude por concubina.
Não tive amor às palavras;
como ter amor a vagos signos
cujo desvelamento era tão somente
despertar a piedade do homem para consigo mesmo?
Na aprendizagem do ofício conseguem-se resultados:
cheguei a saber que eram idênticos os pesos do ato que resulta
de lenta reflexão e o do gratuito,
e é fácil desprender-se da vida, ou não estimá-la,
pois é no infortúnio tão valiosa quanto o é na própria ventura.

Deveria ter amado as palavras;
por elas comparei, com qualquer dimensão do mundo externo:
o mar, o firmamento,
um gozo ou uma dor que prontamente morriam;
e nelas alcancei a raiz tenebrosa da vida.
Crê o homem que nada é superior ao próprio homem:
nem a maior miséria, nem a maior grandeza dos mundos,
pois tudo o seu desejo contém.

As palavras separam das coisas
a luz que sobre elas cai e a casca extinta,
e recolhem os véus da sombra
na noite e nos vazios;
mas não souberam separar a lágrima do riso,
pois eram uma só verdade,
e valeram qual sorriso, indiferença.
Tudo são gestos, mortes, são resíduos.

Olhai o furtivo ladrão das palavras,
rasteja na noite sem brilho,
abre sua boca seca, e está mudo.

Em: “Insistências em Luzbel” (1977)

Referência:

BRINES, Francisco. El porqué de las palabras. In: __________. Antología poética. Selección y prólogo de José Olivio Jiménez. Madrid, ES: Alianza Editorial, 1986. p. 154-155. (“Sección: Literatura”; “El Libro de Bolsillo”; LB 1190)

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