A perfeição do mundo natural supera em
muito a perspectiva metafórica muitas vezes implicante que nós, os humanos,
ousamos associar a várias espécies animais, a exemplo das serpentes e das
hienas. Mirando os fatos a partir de pressupostos à margem do consueto, por
outro lado, há aqueles que, como Rousseau, teorizam o mito do bom selvagem, um
quase animal que ainda não assimilou os vícios e as degenerações do homem dito
civilizado.
Tudo quanto pertence ao estado da
natureza – seres vivos: plantas e animais –, como pressupõe Levertov, resguarda
o estado primordial de santidade, pois que sendo criações a ocupar o paraíso
edênico, o Eterno as teria subjugado ao homem, o qual, por sua vez, tem-nas
dizimado irrefletidamente.
Mas os seres sencientes foram criados
com propósitos e para usufruírem a felicidade prometida, independentemente de
serem ou não dotados de racionalidade. E o amor é a força maior capaz de a tudo
integrar nesse cosmos que transita rumo a um porto ancorado na eternidade.
Denise Levertov
(1923-1997)
Come into Animal Presence
Come into animal presence.
No man is so guileless as
the serpent. The lonely white
rabbit on the roof is a star
twitching its ears at the rain.
The llama intricately
folding its hind legs to be seated
not disdains but mildly
disregards human approval.
What joy when the insouciant
armadillo glances at us and doesn’t
quicken his trotting
across the track into the palm brush.
What is this joy? That no animal
falters, but knows what it must do?
That the snake has no blemish,
that the rabbit inspects his strange
surroundings
in white star-silence? The llama
rests in dignity, the armadillo
has some intention to pursue in the
palm-forest.
Those who were sacred have remained so,
holiness does not dissolve, it is a
presence
of bronze, only the sight that saw it
faltered and turned from it.
An
old joy returns in holy presence.
Animais entrando na
arca de Noé
(Jacopo
Bassano: pintor italiano)
Venha à Presença dos Animais
Venha à presença dos animais.
Nenhum homem é tão inocente quanto
a serpente. O branco e solitário
coelho na cobertura é uma estrela
sacudindo suas orelhas sob a chuva.
A lhama, que dobra intrincadamente
as patas traseiras para se sentar,
não despreza, senão discretamente
desconsidera a aprovação humana.
Que alegria quando o despreocupado
armadilho nos lança o olhar e não
apressa o seu trote
ao cruzar a via rumo à moita da
palmeira.
Que alegria é essa, a obrar para que
nenhum
animal hesite, mas saiba o que há de
fazer?
Que a serpente não se associe a máculas
e o coelho inspecione o seu ambiente
estranho,
no silencioso branco das estrelas? A
lhama
descansa com dignidade; o armadilho tem
algum
intento em sua busca no bosque de
palmeiras.
Os que sagrados foram feitos assim
permanecem,
A santidade não se dissolve, é uma
brônzea
presença, somente os olhos que a
contemplam
hesitam e dela se afastam.
Uma
imemorial alegria retorna em santa presença.
Referência:
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