Eis aqui um poema de Bukowski com um andamento um pouco diferente dos
que costumava redigir: revela-se-nos um poeta reflexivo, ponderando sobre as
coisas que, porventura, valem a pena no curso de nossas vidas, coisas que nos
fazem sentir que estamos vivos.
O título do poema – “Pobreza” – não chega a destoar em relação à média
temática do escritor. Afinal, é nela que Bukowski submerge, “entre lojas de
conveniência, gatos, lençóis, saliva, jornais, mulheres, portas e outros
penduricalhos”, mas onde quer que se encontre, sente que em nenhum lugar esteja,
de fato, vivo.
J.A.R. – H.C.
Charles Bukowski
(1920-1994)
poverty
it is the man you’ve never seen who
keeps you going,
the one who might arrive
someday.
he isn’t out on the streets or
in the buildings or in the
stadiums,
or if he’s there
I’ve missed him somehow.
he isn’t one of our presidents
or statesmen or actors.
I wonder if he’s there.
I walk down the streets
past drugstores and hospitals and
theatres and cafes
and I wonder if he is there.
I have looked almost half a century
and he has not been seen.
a living man, truly alive,
say when he brings his hands down
from lighting a cigarette
you see his eyes
like the eyes of a tiger staring past
into the wind.
but when the hands come down
it is always the
other eyes
that are there
always always.
and soon it will be too late for me
and I will have lived a life
with drugstores, cats, sheets, saliva,
newspapers, women, doors and other assortments,
but nowhere
a living man.
Loja de Conveniência
(Bob Dornberg: pintor
norte-americano)
pobreza
é o homem que você
nunca viu que
o mantém em movimento,
aquele que deve
chegar
num dia incerto.
ele não vaga pelas
ruas ou
pelos apartamentos ou
pelos estádios,
ou se ele andou por
aí
de algum modo nos
desencontramos.
ele não é um de
nossos presidentes
não está entre os
estadistas e os atores.
me pergunto se ele
está por aí.
caminho pelas ruas
passo por lojas de
conveniência e hospitais e
teatros e cafés
e me pergunto se ele
não está ali.
já faz quase meio
século que procuro
e ele ainda não foi
visto.
um homem vivo, vivo
de verdade,
revela quando traz
suas mãos pendidas
por ter acendido um
cigarro
você vê seus olhos
como os olhos de um
tigre mirando o passado
enquanto o verão
passa.
mas quando as mãos
pendem
trata-se sempre dos
outros olhos
que estão lá
sempre sempre lá.
e logo será tarde
demais para mim
e eu terei vivido uma
vida
entre lojas de
conveniência, gatos, lençóis, saliva,
jornais, mulheres,
portas e outros penduricalhos,
mas em nenhum lugar
um homem vivo.
Referências:
Em Inglês
BUKOWSKI, Charles. poverty. In: __________.
Burning in water, drowning in flame. Los Angeles, CA: Black Sparrow Press,
1974. p. 128-129.
Em Português
BUKOWSKI, Charles. pobreza. Tradução de
Pedro Gonzaga. In: __________. Queimando
na água, afogando-se na chama. Tradução de Pedro Gonzaga. 1. ed. Porto
Alegre, RS: L&PM, 2016. p. 148-149. (Coleção “L&PM Pocket”; v. 1.211)
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