O’Hara é partidário de que se deva conceder mais liberdade às crianças,
para que elas não venham a alimentar, em estágio ainda prematuro, ódios contra
aqueles (ou aquelas) que lhes limitam os movimentos.
O poema é de 1964, e talvez fizesse algum sentido naquele momento, um
instante imediatamente anterior ao da geração do “faça a paz, não faça a guerra”
e dos “hippies”, das maiores liberdades sexuais em razão do aparecimento da pílula
anticoncepcional, e por aí vai.
Nos dias de hoje, na era da internet, “tudo é permitido” às crianças,
que, desse modo, usam e abusam das experiências as mais dissolutas – e pior, não
guardam respeito a absolutamente ninguém, nem mesmo aos pais. Assim, os genitores serão os culpados quer não deem liberdade alguma aos rebentos, quer deem toda
ela. “To be or not to be, that is the question” (rs).
J.A.R. – H.C.
Frank O’Hara
(1926-1966)
Ave Maria
Mothers of America
let your kids go to the movies!
get them out of the house so they won’t know what
you’re up to
it’s true that fresh air is good for the body
but what about the soul
that grows in darkness, embossed by silvery images
and when you grow old as grow old you must
they won’t hate you
they won’t criticize you they won’t know
they’ll be in some glamorous country
they first saw on a Saturday afternoon or playing
hookey
they may even be grateful to you
for their first sexual experience
which only cost you a quarter
and didn’t upset the peaceful home
they will know where candy bars come from
and gratuitous bags of popcorn
as gratuitous as leaving the movie before it’s over
with a pleasant stranger whose apartment is in the
Heaven on Earth Bldg
near the Williamsburg Bridge
oh mothers you will have made the little tykes
so happy because if nobody does pick them up in the
movies
they won’t know the difference
and if somebody does it’ll be sheer gravy
and they’ll have been truly entertained either way
instead of hanging around the yard
or up in their room
hating you
prematurely since you won’t have done anything
horribly mean yet
except keeping them from the darker joys
it’s unforgivable the latter
so don’t blame me if you won’t take this advice
and the family breaks up
and your children grow old and blind in front of a
TV set
seeing
movies you wouldn’t let them see when they were
young
Mãe com filha
(Léon-Jean-Bazille
Perrault: pintor francês)
Ave Maria
Mães da América
deixem os seus filhos
ir ao cinema.
afastem-nos de casa
para que não saibam o que vocês estão fazendo
é certo que o ar
fresco faz bem ao corpo
mas o que ocorre com
a alma que
cresce na escuridão,
lavrada por imagens prateadas?
e quando vocês
envelhecerem porque haverão de envelhecer
não serão o alvo do
ódio deles
nem de sua crítica
tampouco de seu juízo
eles estarão nalgum
país glamouroso
que viram pela
primeira vez num sábado à tarde ou ao evadirem-se das aulas
podem mesmo até ser
gratos a vocês
por sua primeira
experiência sexual
que terá custado a
vocês apenas um quarto de dólar
e não desestabilizou
a paz do lar
saberão eles de onde
vêm as guloseimas
e os sacos gratuitos
de pipoca
tão gratuitos quanto
sair antes que o filme termine
com um agradável
estranho cujo apartamento é no Céu na Av. Terra
próximo à Ponte Williamsburg
ó mães quanta
felicidade terão permitido aos miúdos
porque se ninguém for
buscá-los no cinema
não aprenderão a
diferença
e se alguém o fizer
será puro proveito
e seja como for terão
efetivamente se entretido
em vez de vadiarem no
pátio
ou até em seus
quartos
alimentando o ódio
contra vocês
prematuramente, uma
vez que nada de terrivelmente maldoso vocês terão feito
exceto todavia mantê-los
distantes das alegrias mais sombrias
o que de resto é
imperdoável
assim que não me
culpem se não adotarem este conselho
e a família se
desintegrar
e os seus filhos
ficarem velhos e cegos frente à televisão
assistindo
a filmes que não os
deixavam ver quando jovens.
Referência:
O’HARA, Frank. Ave Maria. In: HOOVER, Paul (Ed.). A
postmodern american poetry: a norton anthology. New York, NY: W. W. Norton
& Company Inc., 1994. p. 126-127.
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