Nesta tradução do poeta português Luís Pignatelli, Neruda articula
proposições sobre o que haveria de ser o dever do poeta: um homem compromissado
com a história, por meio da ação política. O lirismo em suas palavras não
significa, por isso mesmo, alheamento, distanciamento das graves questões
quotidianas.
A poesia surge, assim, de um senso de responsabilidade social,
revestindo-se de um papel público – em casa, na oficina, na fábrica, na prisão,
na rua, onde quer que se esteja –, a manifestar a sua potencial força
libertadora. Eis aí a missão do poeta: atenuar o peso aos agrilhoados, cativos da
labuta diária, para que possam abrir a janela da mente à plenitude e à beleza
da vida.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
Deber del Poeta
A quien no escucha el
mar en este viernes
por Ia manana, a
quien adentro de algo,
casa, oficina,
fábrica o mujer,
o calle o mina o seco
calabozo:
a este yo acudo y sin
hablar ni ver
llego y abro Ia
puerta del encierro
y un sin fin se oye
vago en Ia insistência,
un largo trueno roto
se encadena
al peso del planeta y
de Ia espuma,
surgen los rios
roncos del oceano,
vibra veloz en su
rosal Ia estrella
y el mar palpita,
muere y continua.
Así por el destino
conducido
debo sin trégua oír y
conservar
el lamento marino en
mi conciencia,
debo sentir el golpe
de agua dura
y recogerlo en una
taza eterna
para que donde esté el
encarcelado,
donde sufra el
castigo del otoño
yo esté presente con
una ola errante,
yo circule a través
de Ias ventanas
y al oírme levante Ia
mirada
diciendo: como me
acercaré al oceano?
Y yo transmitiré sin
decir nada
los ecos estrellados
de Ia ola,
un quebranto de espuma
y arenales,
un susurro de sal que
se retira,
el grito gris del ave
de Ia costa.
Y así, por mí, Ia
libertad y el mar
responderán al
corazón oscuro.
Homero
(Autoria
Desconhecida)
Dever do Poeta
Àquele que não escuta
o mar nesta manhã
de sexta-feira, e
encarcerado está dentro de algo,
casa, escritório,
fábrica ou mulher,
ou rua ou mina ou
árido calabouço...
a esse acorro eu e
sem falar nem ver
chego e abro a porta
da clausura
e ao abri-la um vago
borborinho ouve-se dentro,
um longo trovão
desfeito encorpora-se
ao peso do planeta e
da espuma,
surgem os rios
rumorosos do oceano,
vibra veloz no seu
rosal a estrela
e o mar palpita,
fenece e continua.
Assim pelo destino
conduzido
devo sem descanso
ouvir e conservar
o lamento marinho na
minha consciência,
devo sentir a pancada
violenta da água
e recolhê-la numa
taça eterna
para que aonde esteja
o encarcerado,
aonde sofra o castigo
do Outono
esteja eu presente
com uma onda errante,
circule eu através
das janelas
e ao ouvir-me o olhar
levante
dizendo: como chegarei
eu junto do oceano?
Então sem dizer nada
transmitirei
os ecos rutilantes da
onda,
uma derrocada de
espuma e areais,
um sussurro de sal
que se afasta,
o grito cinzento da
ave do litoral.
E assim, a liberdade
e o mar responderão
por mim ao sombrio
coração.
Referência:
NERUDA, Pablo. Deber del poeta / Dever
do poeta. Tradução de Luís Pignatelli. In: __________. Plenos poderes. Tradução de Luís Pignatelli. Edição bilíngue. 2. ed. Lisboa, PT:
Publicações Dom Quixote, 1977. Em espanhol: p. 14 e 16; em português: p. 15 e
17. (“Poesia Século XX”; n. 8)
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