A técnica e a ciência têm o poder de “desencantar” o mundo – diria Max
Weber –, eliminar dele aquilo que nele há de mágico, ou, de outra forma, não se
acomoda aos ditames da racionalidade ocidental.
Como a magia, o sublime também tem saído da ordem do dia, afirma Ryan,
em detrimento de temas, por vezes, especulativos. No caso, o poeta levanta a
questão se o pintor El Greco sofria de miopia – efetivamente, as análises
científicas se atêm a se ele sofria de astigmatismo –, pois suas figuras tendem
a ser alongadas.
Há conclusões em estudos, contudo, a afirmar que, mesmo que El Greco
fosse astigmático, teria ele se adaptado às lentes, e suas figuras, quer extraídas
da memória quer do dia a dia, apresentariam, de fato, proporções normais. O
alongamento delas, por conseguinte, seria uma forma de expressão artística, um
maneirismo deliberado, não um sintoma visual (*).
J.A.R. – H.C.
Kay Ryan
(n. 1945)
A Bad Time for
the Sublime
The sublime is now
a less popular topic
than if El Greco was myopic.
Yes El Greco may very well
have been, which may very
well have made his men
so thin and his women so
distressed. If pressed,
the oculists confess that
the shape taken by the
aqueous humor makes
or breaks us, and have
devised anti-vision devices
that restore noses to their
right lengths and places.
Witness how a speckled plain
condenses to a field
or farmyard, the ecstasy
or pain of space
erased by moving the lens
back or forward.
We now discover there were
many thin kings and
many chubby martyrs,
many ordinary trees
and water always very
similar to our water.
1985
A Purificação do Templo
(El Greco: artista
grego)
Um Mau Momento para o Sublime
O sublime é agora
um tema menos popular
do que se El Greco
era míope.
Sim, El Greco bem pode
ter sido
míope, o que explicaria
adequadamente
o fato de seus homens
serem
tão magros e suas
mulheres
tão aflitas. Se
pressionados,
os oculistas
confessariam que
a forma adotada pelo
humor aquoso nos conforma
ou nos arruína, motivo
por que têm
concebido
dispositivos antivisão
que restabelecem os
narizes aos seus
corretos tamanho e
lugar.
Testemunhariam como
uma
campina mosqueada
se condensa a um
campo
ou a um pátio de
herdade, o êxtase
ou a dor do espaço
suprimido ao se mover
a lente
para trás ou para
frente.
Descobrimos agora que
havia
muitos reis magros e
muitos mártires gorduchos,
muitas árvores comuns
e água sempre muito
parecida com a de
nossos dias.
1985
Nota:
(*) - Vide, por exemplo, o estudo
constante neste endereço.
Referência:
RYAN, Kay. A bad time for the sublime. In: Lehman, David; Brehm, John
(Eds.). The Oxford book of american
poetry. 9th printing. New York, NY: Oxford University Press Inc., 2006. p.
1.023.
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