Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Alain Bosquet - O poeta e o poema

Bosquet, ucraniano naturalizado francês, tergiversa sobre a independência do poema em relação ao próprio poeta que o redigiu, eis que dotado de vontade própria, enquanto criação concebida em primeiro plano, anteposta ao criador, dele separado para poder se expandir à vontade.

Como apraz aos grandes poetas contemporâneos, infensos à ideia de que a sua arte deriva de circunstancial inspiração das musas, percebe-se em Bosquet o trabalho concentrado no uso da linguagem, para criar ou recriar um mundo que subsiste nos (e para além dos) meandros da palavra.

J.A.R. – H.C.

Alain Bosquet
(1919-1998)

Le poète et le poème

J’ai mal à mon poème avant ses deux naissances:
sur le papier, dans mes poumons.
Il m’investit, ô concurrence
comme un démon

qui ressemble à l’enfant qu’on jette à la poubelle
dans la colère et le mépris!
Il m’arrache mes vers rebelles:
les ai-je écrits?

J’ai mal à mon poème au cours de l’écriture
car il refuse mes leçons.
Je suis pour lui un peu d’ordure:
un limaçon.

Je me demande quand je pourrai le comprendre,
son rythme devenant le mien.
Je suis sévère et parfois tendre
comme un vieux chien.

Il me traite en félon: à quoi sert le poète
si sans lui le poème est vrai?
Je suis la présence indiscrète:
tirez un trait !

J’ai moins mal au poème, une fois qu’il s’installe,
définitif, posé, charnu,
et mon humeur se fait égale
quand je l’ai lu.

Je l’accepte, il m’accepte: une douce harmonie
devrait, je crois, se répéter.
Toute équivoque s’est bannie:
sérénité!

l nous faudra ensemble aller à la conquête
de ce vaste univers, hardis
car le poème et le poète
sont interdits.

(“Un jour après la vie”, 1984)

O Escritor
(Julia Swartz: pintora norte-americana)

O poeta e o poema

Dói meu poema em mim nos seus dois nascimentos:
sobre o papel, dentro em meu peito.
Ele me investe, ó enfrentamento,
demônio feito

essa criança a quem se atira fora, ao lixo,
com tanta raiva e rejeição!
Rapta meus versos, só capricho:
São meus ou não?

Dói meu poema em mim no curso da escritura
pois que não quer minha lição.
Para ele eu sou escória pura:
lesma do chão.

Eu me pergunto quando irei compreendê-lo,
trazendo o ritmo seu comigo.
Tenho rigores ou desvelo
de um cão amigo.

Trata-me qual vilão: para que serve o poeta
se é bom sem ele o verso e a rima?
Eu sou a presença indiscreta:
Risque-se em cima!

Dói-me menos o poema uma vez instalado,
definitivo, bem nutrido,
e o meu humor fica acalmado
ao tê-lo lido.

Aceito-o, ele me aceita: uma doce harmonia
deverá, creio, vir à cena.
Tudo de ambíguo se esvazia:
Que paz serena!

Temos de juntos ir à conquista da meta,
deste vasto universo, ousados
pois o poema e o poeta
estão vedados.

(“Um dia após a vida”, 1984)

Referência:

BOSQUET, Alain. Le poète et le poème / O poeta e o poema. Tradução de Mário Laranjeira. In: LARANJEIRA, Mário (Seleção, tradução e introdução). Poetas de França hoje: 1945-1995. Edição bilíngue. Apresentação de Nelson Ascher. São Paulo, SP: Edusp, 1996. p. 54-55.

2 comentários:

  1. Prezada Júlia,
    A crítica já está feita. Mas talvez você pudesse propor uma tradução poética à altura, encaminhando-a para melhoramentos do próprio tradutor acima. Se aceitar a sugestão, poderia encaminhá-la para o e-mail dele (mlaran@uol.com.br), que certamente a receberá de bom grado na Universidade de São Paulo (http://dlm.fflch.usp.br/node/231).
    Um abraço,
    João A. Rodrigues

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