O poeta deplora a poesia de seus pares que não vão além da porta de seus
gabinetes, incapazes de experimentar os sentidos da vida, quer os que concorrem
para a exaustão do tédio, quer aqueles que encerram as mais contundentes
exteriorizações do mal.
Para eles, segundo Ribeiro Couto, o que há são apenas temas poéticos,
para os quais se desenvolvem versos e versos, rimas e rimas, poemas e poemas,
todos fundamentados em apuradas técnicas normativas, sem que, todavia, estejam
aptos a derramar uma única gota de sangue!
J.A.R. – H.C.
Ribeiro Couto
(1898-1963)
Discurso Afetuoso
Ó poetas de gabinete,
Que da vida sabeis
apenas a lição dos livros,
Vossa poesia é um
jogo de palavras.
Vossa poesia é toda
feita de habilidades de estilo,
Sem a marca um pouco
suja da experiência vivida.
Não sabeis de nenhuma
espécie de sofrimento,
De nenhum dos
aspectos sedutores do mal,
Não sabeis de nada
que está realmente na vida.
Não vos inquieta o
desejo de quebrar a monotonia,
A exasperada fadiga
das coisas iguais,
A saborosa audácia do
mau gosto.
Tudo em vós é
correto, frio, sem surpresas.
Ah, tudo que sabeis é
através dos livros.
Não sofreis a
curiosidade viciosa das aventuras,
Nem a mágoa dos meses
vividos à toa,
Nem o bocejo que a
mulher tão desejada provocará um dia.
Não conheceis o
remorso das devassidões
E a desvairada
esperança que há num amanhecer depois
da noite perdida.
Para vós não existe a
vida: existem os temas poéticos.
Em: “Um Homem na Multidão” (1926)
Coruja Sábia
(Cornelis Bloemaert:
gravurista e pintor holandês)
Referência:
COUTO, Ribeiro. Discurso afetuoso. In:
__________. Poesias reunidas. Rio de
Janeiro, GB: José Olympio, 1960. p. 131.
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