O poeta percebe que o poema irrompe de sua pena de forma imoderada,
tirânica e independente de sua vontade, sem qualquer margem ou porto onde ancorar,
haja vista que prescinde de balizas.
Verdade ou sonho, sangue ou brisa, noite ou dia, vida ou passamento, tudo
é matéria de que se vale para se estender além dos contornos que nos possibilitariam
vislumbrá-lo com nitidez. Pouco importa: o poema também expressa o contingente!
J.A.R. – H.C.
Jorge de Lima
(1893-1953)
Vereis que o poema
cresce independente
e tirânico. Ó irmãos,
banhistas, brisas,
algas e peixes
lívidos sem dentes,
veleiros mortos, coisas
imprecisas,
coisas neutras de
aspecto suficiente
a evocar afogados,
Lúcias, Isas,
Celidônias... Parai
sombras e gentes!
Que este poema é
poema sem balizas.
Mas que venham de vós
perplexidades
entre as noites e os
dias, entre as vagas
e as pedras, entre o
sonho e a verdade, entre...
Qualquer poema é
talvez essas metades:
essas indecisões das
coisas vagas
que isso tudo lhe nutre
sangue e ventre.
Em: “Livro dos Sonetos” (1949)
Na Praia
(Edward H. Potthast:
pintor norte-americano)
Referência:
LIMA, Jorge de. Vereis que o poema
cresce independente. In: __________. Obra
poética. Edição completa, em um volume organizada por Otto Maria Carpeaux.
Rio de Janeiro: Editora Getúlio Costa, nov. 1949. p. 563.
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