Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Nicanor Parra - As Tábuas

Um sonho sob a forma de um autêntico pesadelo, que somente Freud poderia decifrá-lo, embora se presuma, à primeira vista, que diga respeito às censuras morais impostas pela sociedade – inscritas nas “Tábuas da Lei” – aos seus partícipes.

Diga-se lá se maltratar a própria mãe não se fixa como um interdito a quem está sob a autoridade, respeito ou jurisdição das leis, quer divinas quer humanas?! Contudo, será mesmo que Parra teve esse sonho – ou se trata de apenas mais um exemplar de sua antipoesia?

J.A.R. – H.C.

Nicanor Parra
(n. 1914)

Las Tablas

Soñé que me encontraba en un desierto y que hastiado de mí mismo
comenzaba a golpear a unamujer.
Hacía un frío de los demonios; era necesario hacer algo,
hacer fuego, hacer un poco de ejercicio;
pero a mí me dolía la cabeza, me sentía fatigado,
sólo quería dormir, quería morir.
Mi traje estaba empapado de sangre
y entre mis dedos se veían algunos cabellos
– los cabellos de mi pobre madre –.
“Por qué maltratas a tu madre” me preguntaba entonces una piedra,
una piedra cubierta de polvo, “por qué la maltratas”.
Yo no sabía de dónde venían esas voces que me hacían temblar;
me miraba las uñas y me las mordía,
trataba de pensar infructuosamente en algo
pero sólo veía en torno a mí un desierto
y veía la imagen de ese ídolo
mi dios que me miraba hacer estas cosas.
Aparecieron entonces unos pájaros
y al mismo tiempo en la obscuridad descubrí unas rocas.
En un supremo esfuerzo logré distinguir las tablas de la ley:
“Nosotras somos las tablas de la ley”, decían ellas.
“Por qué maltratas a tu madre”
“Ves esos pájaros que se han venido a posar sobre nosotras”
“Ahí están ellos para registrar tus crímenes.”
Pero yo bostezaba, me aburría de estas admoniciones.
“Espanten esos pájaros”, dije en voz alta.
“No”, respondió una piedra,
“ellos representan tus diferentes pecados.”
“Ellos están ahí para mirarte.”
Entonces yo me volví de nuevo a mi dama
y le empecé a dar más firme que antes.
Para mantenerse despierto había que hacer algo,
estaba en la obligación de actuar
so pena de caer dormido entre aquellas rocas,
aquellos pájaros.
Saqué entonces una caja de fósforos de uno de mis bolsillos
y decidí quemar el busto del dios;
tenía un frío espantoso, necesitaba calentarme,
pero este fuego sólo duró algunos segundos.
Desesperado busqué de nuevo las tablas
pero ellas habían desaparecido:
las rocas tampoco estaban allí.
Mi madre me había abandonado.
Me toqué la frente; pero no:
ya no podía más.

De: “Poemas y antipoemas” (1954)

Endymion Adormecido
(Nicolas Guy Brenet: pintor francês)

As Tábuas

Sonhei que me encontrava num deserto e que enfarado de mim mesmo
começava a bater numa mulher.
Era um frio dos demônios; era necessário fazer algo,
fazer fogo, fazer um pouco de exercício;
porém, doía-me a cabeça, sentia-me fatigado,
só queria dormir, queria morrer.
Minha roupa estava empapada de sangue
e entre os meus dedos viam-se alguns cabelos
– os cabelos de minha pobre mãe –.
“Por que maltratas a tua mãe” me perguntava uma pedra,
uma pedra coberta de pó, “por que me maltratas”.
Eu não sabia de onde vinham estas vozes que me faziam estremecer;
olhava as unhas e as mordia,
tratava de pensar infrutuosamente em algo
porém só via em torno de mim um deserto
e via a imagem desse ídolo
meu deus que me olhava fazendo estas coisas.
Apareceram então uns pássaros
e ao mesmo tempo na escuridão descobri algumas rochas.
Num supremo esforço ousei distinguir as tábuas da lei:
“Nós somos as tábuas da lei”, diziam elas.
“Por que maltratas a tua mãe”
“Vês esses pássaros que vieram pousar sobre nós”
“Aí estão eles para registrar teus crimes.”
Porém, eu bocejava, aborreciam-me estas admoestações.
“Espantem esses pássaros”, disse em voz alta.
“Não”, respondeu uma pedra,
“eles representam teus diferentes pecados.”
“Eles estão aqui para olhar-te.”
Então me voltei de novo para minha dama
e comecei-lhe a bater mais firme do que antes.
Para manter-me desperto havia que fazer algo,
estava na obrigação de agir
sob pena de cair adormecido entre aquelas rochas,
aqueles pássaros.
Arranquei então uma caixa de fósforos de um dos meus bolsos
e decidi queimar o busto do deus;
tinha um frio espantoso, necessitava aquecer-me,
porém este fogo só durou alguns segundos.
Desesperado busquei de novo as tábuas
mas elas haviam desaparecido:
as rochas tampouco estavam ali.
Minha mãe me abandonara.
Toquei a minha fronte; porém não:
já não podia mais.

Referência:

PARRA, Nicanor. Las tablas / As tábuas. Tradução de Carlos Nejar. In: NEJAR, Carlos; FERNÁNDEZ, Maximino (Tradução e Introdução / Traducción y introducción). Nicanor Parra e Vinicius de Moraes / Nicanor Parra y Vinicius de Moraes. Rio de Janeiro, RJ: Academia Brasileira de Letras; Academia Chilena de la Lengua, 2009. Em espanhol: p. 136 e 138; em português: p. 137 e 139. Disponível neste endereço. Acesso em: 23 jul. 2016.

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