Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

E. E. Cummings - e se um farto quê de vento

Cummings retrata neste poema o receio obstinado que perpassa a alma de toda gente sobre a terra: o medo da ruína, a sobrevir aos momentos de êxito e ventura. Afirma ele, a par disso, que o único segredo, o único mistério remanescente ao final dos tempos, quer por sua complexidade quer por sua singularidade, seria exatamente o da alma humana!

Percebe-se, nas duas primeiras estrofes, um evoluir de fatos da natureza a descritivos com atributos humanos, como rajadas de vento que irrompem de forma devastadora sobre valores que nos são tão caros.

Na última, como uma síntese, o poeta, na hecatombe de um universo cindido, vislumbra o que resulta de tantas batalhas pela vida, obviamente sob a ótica dos que logram vencê-las: quanto mais (os outros) morrem, tanto mais (nós) vivemos...

J.A.R. – H.C.

E. E. Cummings
(1894-1962)

XX

what if a much of a which of a wind
gives the truth to summer’s lie;
bloodies with dizzying leaves the sun
and yanks immortal stars awry?
Blow king to beggar and queen to seem
(blow friend to fiend: blow space to time)
− when skies are hanged and oceans drowned,
the single secret will still be man

what if a keen of a lean wind flays
screaming hills with sleet and snow:
strangles valleys by ropes of thing
and stifles forests in white ago?
Blow hope to terror; blow seeing to blind
(blow pity to envy and soul to mind)
− whose hearts are mountains, roots are trees,
it’s they shall cry hello to the spring

what if a dawn of a doom of a dream
bites this universe in two,
peels forever out of his grave
and sprinkles nowhere with me and you?
Blow soon to never and never to twice
(blow life to isn’t: blow death to was)
− all nothing’s only our hugest home;
the most who die, the more we live

Rajada de Vento
(Jean-Baptiste Camille Corot: pintor francês)

XX

e se um farto quê de vento
convola a verdade à mentira de verão;
ensanguenta o sol com folhas atordoantes
e contorce as imortais estrelas?
sopra do rei ao mendigo e da rainha a quem lhe pareça
(sopra do amigo a satã: sopra do espaço ao tempo)
– enquanto suspensos os céus e submersos os oceanos,
o único segredo continuará sendo o homem

e se um cortante e afilado vento açoita
colinas sibilantes com granizo e neve:
estrangula vales com cordas de coisa (*)
e sufoca florestas no branco de outrora?
sopra da esperança ao terror; sopra do ver ao cegar
(sopra da compaixão à inveja e da alma à mente)
– cujos corações são montanhas, raízes são árvores,
são eles que darão boas vindas à primavera

e se o despontar do fado de um sonho
fende em dois este universo,
remove o para sempre de sua tumba
e dispersa nenhures a você e a mim?
sopra do sem demora ao nunca e do nunca ao dúplice
(sopra da vida ao que não é: sopra da morte ao que já foi)
– todo nada é apenas nossa maior morada;
quantos mais morram, tanto mais vivemos

Nota:

(*) Imagino que, pela lógica do poema, Cummings se refira, por meio dessa construção insólita – “cordas de coisa” –, a elementos inertes da matéria ou, talvez, a fenômenos da natureza que engendrariam os nomeados estrangulamentos de vales.

Referência:

CUMMINGS, E. E. what if a much of a which of a wind. In: __________. Complete poems: 1904-1962. Edited by George James Firmage. New York, NY: Liveright Publishing Corporation, 1991. p. 560.

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