Neruda nos fala em sua ode do carinho com que cuidava das meias que Maru
Mori – esposa do pintor Camilo Mori, seu conterrâneo – lhes dera, a tal ponto
de haver pensado em colocá-las numa gaiola para admirá-las, não propriamente
usá-las. Afinal, pareceram-lhe tão belas que se as usasse poderiam rapidamente
se estropiar.
O poeta, ao final, compõe um jogo de palavras para defender a ideia de
que, no inverno, as meias de lã se tornam duplamente mais belas e aprazíveis
que os demais objetos, porquanto só se apresentam aos pares...
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
Oda a los calcetines
Me trajo Maru Mori
un par
de calcetines
que tejió con sus
manos
de pastora,
dos calcetines suaves
como liebres.
En ellos
metí los pies
como en
dos estuches
tejidos
con hebras del
crepúsculo
y pellejos de ovejas.
Violentos calcetines,
mis pies fueron
dos pescados
de lana,
dos largos tiburones
de azul ultramarino
atravesados
por una trenza de
oro,
dos gigantescos
mirlos,
dos cañones:
mis pies
fueron honrados
de este modo
por
estos
celestiales
calcetines.
Eran
tan hermosos
que por primera vez
mis pies me parecieron
inaceptables
como dos decrépitos
bomberos, bomberos
indignos
de aquel fuego
bordado,
de aquellos luminosos
calcetines.
Sin embargo
resistí
la tentación aguda
de guardarlos
como los colegiales
preservan
las luciérnagas,
como los eruditos
coleccionan
documentos sagrados,
resistí
el impulso furioso
de ponerlos
en una jaula
de oro
y darles cada día
alpiste
y pulpa de melón
rosado.
Como descubridores
que en la selva
entregan el rarísimo
venado verde
al asador
y se lo comen
con remordimiento,
estiré
los pies
y me enfundé
los
bellos
calcetines
y luego los zapatos.
Y es ésta
la moral de mi oda:
dos veces es belleza
la belleza
y lo que es bueno es
doblemente
bueno
cuando se trata de
dos calcetines
de lana
en el invierno.
De: “Nuevas odas elementales” (1956)
Meias Aprazíveis
(David Agenjo: pintor
espanhol)
Ode às meias
Maru Mori me trouxe
um par
de meias
que teceu com suas
mãos
de pastora,
duas meias macias
como lebres.
Nelas
meti os pés
como em
dois estojos
tecidos
com fios
de crepúsculo
e peles de ovelhas.
Meias violentas,
meus pés eram
dois peixes
de lã,
dois longos tubarões
de azul marinho
atravessados
por uma trança de
ouro,
dois gigantescos melros,
dois canhões:
meus pés
foram homenageados
deste modo
por
estas
celestiais
meias.
Eram
tão bonitas
que pela primeira vez
meus pés me pareceram
inaceitáveis
como dois decrépitos
bombeiros, bombeiros
indignos
daquele fogo
bordado,
daquelas luminosas
meias.
Mesmo assim
resisti
à aguda tentação
de guardá-las
como os colegiais
preservam
os vagalumes,
como os eruditos
colecionam
documentos sagrados,
resisti
ao impulso furioso
de pô-las
numa gaiola
de ouro
e dar-lhes a cada dia
alpiste
e polpa de melão
rosado.
Como descobridores
que na selva
entregam o raríssimo
cervo verde
ao espeto
e o comem
com remorso,
estiquei
os pés
e os enfronhei
nas
belas meias
e, em seguida, nos
sapatos.
E esta é
a moral de minha ode:
duas vezes é beleza
a beleza
e o que bom é
duplamente
bom
quando se trata de
duas meias
de lã
no inverno.
De: “Novas odes elementares” (1956)
Referência:
NERUDA, Pablo. Oda a los calcetines. In:
__________. Antología fundamental. Prólogo
de Jaime Quezada. Selección de Jorge Barros. Santiago, CL: Editorial Andrés
Bello, 1997. p. 253-256.
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