O poema em epígrafe é parte do “Quarteto Nostalgitália”, criação da
poetisa mineira Henriqueta Lisboa, a encomiar as cidades italianas de Roma,
Florença, Veneza e Trieste, nessa ordem.
Veneza nos é apresentada de um modo algo diferente da forma como o poeta
espanhol Pablo G. Baena a contemplou neste poema: a
visão de Lisboa é mais intimista, embora reflita sobre as mesmas visões que
encantam os turistas já há muitas centúrias.
J.A.R. – H.C.
Henriqueta Lisboa
(1901-1985)
III. Veneza
O trampolim. O arco
florido.
O salto a medo. O sol
nas águas.
E esse embalo de
gôndola
que não deixa fixar
o espetáculo em
bloco.
Baila o oblíquo
mosaico
em voluteio de
topázios.
Ao léu das ondas
franja leve
as muralhas ducais.
Nenhum apoio contra o
tempo.
As resinas do álamo
negro
escorrem dos
altiplanos.
Onde os carvalhos e
os lariços
de milenar
sustentação
para o peso do
mármore?
Ao vento que vem do
deserto
Veneza oscila o circo
em cores
o corpo encanece e
adolesce
de angústia e rubor
em réstias escarlate
e marfim.
E cedo e é tarde para
o amor.
Ao envolvimento das
algas
vai soçobrar no alagadiço
de comércios e de
ócios
o cofre-forte do
tesouro.
Nada fica. Nada se
leva.
Tudo é chegada e
partida.
Tudo se esfolha à
superfície
para restar em
nostalgia.
Então de
transparência fluida
a estremecer
alabastros
sobe um canto de
cisne.
Pelo fascínio de si
mesma
– a sereia e seu
próprio canto –
já Veneza está salva
na alegria das sete
dores
nas arcarias de mãos
postas
na altaneria dos
frontões
nas escadarias de
ouro
nas mesmas veias
abertas
de doce vinho maduro.
Ah! que Veneza é
cerne humano
a construir pontes e
suspiros
para que as almas se
reencontrem.
De: “Miradouro” (1976)
Retorno do Bucentauro ao Molhe no dia da Ascensão
(Giovanni Antonio
Canal: pintor veneziano)
Referência:
LISBOA, Henriqueta. III. Veneza. In: __________.
Melhores poemas de Henriqueta Lisboa.
Seleção de Fábio Lucas. São Paulo, SP: Global, 2001. p. 177-179. (Coleção ‘Melhores
Poemas’)
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