Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 6 de agosto de 2016

Henriqueta Lisboa - III. Veneza

O poema em epígrafe é parte do “Quarteto Nostalgitália”, criação da poetisa mineira Henriqueta Lisboa, a encomiar as cidades italianas de Roma, Florença, Veneza e Trieste, nessa ordem.

Veneza nos é apresentada de um modo algo diferente da forma como o poeta espanhol Pablo G. Baena a contemplou neste poema: a visão de Lisboa é mais intimista, embora reflita sobre as mesmas visões que encantam os turistas já há muitas centúrias.

J.A.R. – H.C.

Henriqueta Lisboa
(1901-1985)

III. Veneza

O trampolim. O arco florido.
O salto a medo. O sol nas águas.
E esse embalo de gôndola
que não deixa fixar
o espetáculo em bloco.
Baila o oblíquo mosaico
em voluteio de topázios.
Ao léu das ondas franja leve
as muralhas ducais.
Nenhum apoio contra o tempo.
As resinas do álamo negro
escorrem dos altiplanos.
Onde os carvalhos e os lariços
de milenar sustentação
para o peso do mármore?
Ao vento que vem do deserto
Veneza oscila o circo em cores
o corpo encanece e adolesce
de angústia e rubor
em réstias escarlate e marfim.
E cedo e é tarde para o amor.
Ao envolvimento das algas
vai soçobrar no alagadiço
de comércios e de ócios
o cofre-forte do tesouro.
Nada fica. Nada se leva.
Tudo é chegada e partida.
Tudo se esfolha à superfície
para restar em nostalgia.
Então de transparência fluida
a estremecer alabastros
sobe um canto de cisne.
Pelo fascínio de si mesma
– a sereia e seu próprio canto –
já Veneza está salva
na alegria das sete dores
nas arcarias de mãos postas
na altaneria dos frontões
nas escadarias de ouro
nas mesmas veias abertas
de doce vinho maduro.
Ah! que Veneza é cerne humano
a construir pontes e suspiros
para que as almas se reencontrem.

De: “Miradouro” (1976)

Retorno do Bucentauro ao Molhe no dia da Ascensão
(Giovanni Antonio Canal: pintor veneziano)

Referência:

LISBOA, Henriqueta. III. Veneza. In: __________. Melhores poemas de Henriqueta Lisboa. Seleção de Fábio Lucas. São Paulo, SP: Global, 2001. p. 177-179. (Coleção ‘Melhores Poemas’)

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