Neste mais que reprisado poema, o poeta e magistrado paulista
metaforiza, nas figuras da flor e da fonte, o declínio dos poderes mágicos do
amor, e mais extensivamente, do fluxo de todas as coisas que configuram uma
vida plena.
Singelo, mas nem por isso menos belo, o poema nos faz refletir sobre o
sentido último de nossas vidas, quase sempre gozadas num cotidiano atribulado e
que deixa pouca margem para os prazeres da contemplação e da meditação, com o
que poderíamos encontrar um estado de equilíbrio e serenidade.
J.A.R. – H.C.
Vicente de Carvalho
(1866-1924)
A Flor e a Fonte
“Deixa-me, fonte!”
Dizia
A flor, tonta de
terror.
E a fonte, sonora e
fria,
Cantava, levando a
flor.
“Deixa-me, deixa-me,
fonte!”
Dizia a flor a
chorar:
“Eu fui nascida no
monte...
Não me leves para o
mar.”
E a fonte, rápida e
fria,
Com um sussurro
zombador,
Por sobre a areia
corria,
Corria levando a
flor.
“Ai, balanços do meu
galho,
Balanços do berço
meu;
Ai, claras gotas de orvalho
Caídas do azul do
céu!...”
Chorava a flor, e
gemia,
Branca, branca de
terror,
E a fonte sonora e
fria,
Rolava, levando a
flor.
“Adeus, sombra das
ramadas,
Cantigas do rouxinol;
Ai, festa das
madrugadas,
Doçuras do pôr do
sol;
Carícia das brisas leves
Que abrem rasgões de
luar...
Fonte, fonte, não me
leves,
Não me leves para o
mar!...”
As correntezas da
vida
E os restos do meu
amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da
flor.
Lírios D’Água
(Claude Monet: pintor
francês)
Referência:
CARVALHO, Vicente. A flor e a fonte.
In: __________. Rosa, rosa de amor:
poema. Rio de Janeiro, RJ: Laemmert & C. Editores, 1902. p. 31-32.
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