Valéry, um dos maiores e derradeiros expoentes do simbolismo francês, manifesta
neste poema, com versos escandidos à moda clássica e ricamente musicais, um
juízo antecipatório de emoções por vir. Seriam elas precipitadas pela chegada de
um surto inspiratório? Ou de sua amada? Ou, ainda, do epílogo de suas
experiências sobre a Terra?
Seja como for, sua inteligência ávida e desabusada era capaz de conferir
formas sensuais, por vezes incidentalmente hieráticas, a imagens e sons, de modo
a suscitar intuições efêmeras aos seus diletos leitores. Assim, imaginei Valéry em porfia com a morte, como no caso do personagem de “O Sétimo Selo”, de
Bergman, em interminável partida de xadrez. Afinal, está ou não o poeta
buscando procrastinar a chegada daquilo que, como se disse, bem poderia ser o beijo fatal?!
J.A.R. – H.C.
Paul Valéry
(1871-1945)
Les pas
Tes pas, enfants de
mon silence,
Saintement, lentement
placés,
Vers le lit de ma vigilance
Procèdent muets et glacés.
Personne pure, ombre divine,
Qu’ils sont doux tes pas retenus!
Dieux! tous les dons
que je devine
Viennent à moi sur
ces pieds nus!
Si, de tes lèvres
avancées,
Tu prépares pour l’apaiser,
A l’habitant de mes
pensées
La nourriture d’un baiser,
Ne hâte pas cet acte
tendre,
Douceur d’être et de n’être
pas,
Car j’ai vécu de vous
attendre,
Et mon coeur n’était
que vos pas.
Homem Dormindo
(Irena Jablonski:
artista polonesa)
Os passos
Filhos do meu
silêncio amante,
Teus passos santos e
pausados,
Para o meu leito
vigilante
Caminham mudos e
gelados.
Que bons que são, vulto
divino,
Puro ser, teus passos
contidos!
Deuses! os bens do
meu destino
Me vêm sobre esses
pés despidos.
Se trazes, nos lábios
risonhos,
Para saciar o seu
desejo,
Ao habitante dos meus
sonhos
O alimento feliz de
um beijo,
Retarda essa atitude
terna,
Ser e não ser, dom
com que faço
Da vida a tua espera
eterna,
E do coração o teu
passo.
Referência:
VALÉRY, Paul. Les pas / Os passos. In:
ALMEIDA, Guilherme de (Seleção e tradução). Poetas de França. 4. ed. São Paulo, SP: Companhia Editora Nacional,
1965. Em francês: p. 276 e 278; em português: p. 277 e 279.
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