Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 15 de maio de 2016

Pedro Kilkerry - É o silêncio...

Num poema dominado por colorações macabras e irônicas, o poeta Pedro Kilkerry deixa-se levar por influências que presumo terem sido sorvidas aos escritos de Poe, às quais agregou certa inventividade hermética.

Estão presentes nesta poesia os característicos elementos sinestésicos das criações simbolistas, além de certa atmosfera mística e dolente a permear o espaço em volta do poeta, aliás, farto de livros!

J.A.R. – H.C.

Apresentação de Frederico Barbosa
(2011, p. 303)

Nascido em Santo Antônio de Jesus, na Bahia, filho de irlandês e baiana, Pedro Militão Kilkerry formou-se em Direito pela Faculdade da Bahia. Pobre e boêmio, morreu tuberculoso em Salvador, sem ter qualquer livro publicado. Esquecida em meio à multidão de poetas simbolistas recolhidos por Andrade Muricy, no seu gigantesco Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, a obra de Kilkerry foi recuperada e publicada pelo poeta Augusto de Campos no volume ReVisão de Kilkerry (1970). Graças ao trabalho de garimpagem poética de Campos, a poesia sintética e repleta de imagens fortes e desconcertantes de Kilkerry vem sendo percebida como uma das grandes forças do Simbolismo brasileiro.

Pedro Kilkerry
(1885-1917)

É o silêncio...

É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.
Olha-me a estante em cada livro que olha.
E a luz nalgum volume sobre a mesa...
Mas o sangue da luz em cada folha.

Não sei se é mesmo a minha mão que molha
A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.
Penso um presente, num passado. E enfolha
A natureza tua natureza.
Mas é um bulir das cousas... Comovido
Pego da pena, iludo-me que traço
A ilusão de um sentido e outro sentido.
Tão longe cai!
Tão longe se aveluda esse teu passo,
Asa que o ouvido anima...
E a câmara muda. E a sala muda, muda...
Afonamente rufa. A asa da rima
Paira-me no ar. Quedo-me como um Buda
Novo, um fantasma ao som que se aproxima.
Cresce-me a estante como quem sacuda
Um pesadelo de papéis acima...
.................................................

E abro a janela. Ainda a lua esfia
Últimas notas trêmulas... O dia
Tarde florescerá pela montanha.

E oh! minha amada, o sentimento é cego...
Vês? Colaboram na saudade a aranha,
Patas de um gato e as asas de um morcego.

Morcego
(Salvador Dalí: pintor espanhol)

Referência:

KILKERRY, Pedro. Desejo. In: BARBOSA, Frederico (Organizador). Cinco séculos de poesia: antologia da poesia clássica brasileira. 4. ed. São Paulo, SP: Aquariana, 2011. p. 309.

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