Num poema dominado por colorações macabras e irônicas, o poeta Pedro
Kilkerry deixa-se levar por influências que presumo terem sido sorvidas aos escritos
de Poe, às quais agregou certa inventividade hermética.
Estão presentes nesta poesia os característicos elementos sinestésicos
das criações simbolistas, além de certa atmosfera mística e dolente a permear o
espaço em volta do poeta, aliás, farto de livros!
J.A.R. – H.C.
Apresentação de Frederico Barbosa
(2011, p. 303)
Nascido em Santo
Antônio de Jesus, na Bahia, filho de irlandês e baiana, Pedro Militão Kilkerry
formou-se em Direito pela Faculdade da Bahia. Pobre e boêmio, morreu
tuberculoso em Salvador, sem ter qualquer livro publicado. Esquecida em meio à
multidão de poetas simbolistas recolhidos por Andrade Muricy, no seu gigantesco
Panorama do Movimento Simbolista
Brasileiro, a obra de Kilkerry foi recuperada e publicada pelo poeta
Augusto de Campos no volume ReVisão de
Kilkerry (1970). Graças ao trabalho de garimpagem poética de Campos, a
poesia sintética e repleta de imagens fortes e desconcertantes de Kilkerry vem
sendo percebida como uma das grandes forças do Simbolismo brasileiro.
Pedro Kilkerry
(1885-1917)
É o silêncio...
É o silêncio, é o
cigarro e a vela acesa.
Olha-me a estante em
cada livro que olha.
E a luz nalgum volume
sobre a mesa...
Mas o sangue da luz
em cada folha.
Não sei se é mesmo a
minha mão que molha
A pena, ou mesmo o
instinto que a tem presa.
Penso um presente,
num passado. E enfolha
A natureza tua
natureza.
Mas é um bulir das
cousas... Comovido
Pego da pena,
iludo-me que traço
A ilusão de um
sentido e outro sentido.
Tão longe cai!
Tão longe se aveluda
esse teu passo,
Asa que o ouvido
anima...
E a câmara muda. E a
sala muda, muda...
Afonamente rufa. A
asa da rima
Paira-me no ar.
Quedo-me como um Buda
Novo, um fantasma ao
som que se aproxima.
Cresce-me a estante
como quem sacuda
Um pesadelo de papéis
acima...
.................................................
E abro a janela.
Ainda a lua esfia
Últimas notas
trêmulas... O dia
Tarde florescerá pela
montanha.
E oh! minha amada, o
sentimento é cego...
Vês? Colaboram na
saudade a aranha,
Patas de um gato e as
asas de um morcego.
Morcego
(Salvador Dalí:
pintor espanhol)
Referência:
KILKERRY, Pedro. Desejo. In: BARBOSA,
Frederico (Organizador). Cinco séculos
de poesia: antologia da poesia clássica brasileira. 4. ed. São Paulo, SP:
Aquariana, 2011. p. 309.
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