Neste poema, de “Songs of Experience” (“Canções da Experiência”), Blake
argumenta que a razão humana e o pensamento abstrato podem acarretar prejuízos,
porque as virtudes que exaltam pressupõem a existência de infortúnios: a comiseração
pressupõe a pobreza, enquanto a piedade pressupõe o sofrimento. Segue ele então
com um rol de falsas virtudes conexas ao pecado ou ao vício: a paz decorre do
medo mútuo, o amor torna-se autocentrado, e a solicitude é o chamariz empregado
pela crueldade.
Implícita no poema está uma crítica ao modo pelo qual as pessoas têm
desenvolvido uma autêntica camisa de força mental, ou seja, sistemas de
pensamento que levaram à construção de estruturas sociais opressivas.
J.A.R. – H.C.
William Blake
(1757-1827)
Pintura de Thomas Phillips
The Human
Abstract
Pity would be no more
If we did not make somebody Poor;
And Mercy no more could be
If all were as happy as we.
And mutual fear brings peace,
Till the selfish loves increase:
Then Cruelty knits a snare,
And spreads his baits with care.
He sits down with holy fears,
And waters the ground with tears;
Then Humility takes its root
Underneath his foot.
Soon spreads the dismal shade
Of Mystery over his head;
And the Caterpillar and Fly
Feed on the Mystery.
And it bears the fruit of Deceit,
Ruddy and sweet to eat;
And the Raven his nest has made
In its thickest shade.
The Gods of the earth and sea
Sought thro’ Nature to find this Tree;
But their search was all in vain:
There grows one in the Human Brain.
Cidade dos Anjos
(Ruth Clotworthy:
pintora neozelandesa)
A Abstração Humana
Não haveria Dó, com
certeza,
Se não criássemos
Pobreza,
Tampouco haveria
Piedade,
Fosse comum a
Felicidade.
O medo mútuo a paz
conquista,
Até que cresça o amor
egoísta:
A Crueldade tece
ardis;
Zelosa, espalha um
chamariz.
Ele se senta em medos
santos
E rega o chão com
seus prantos.
A Humildade então se
enraíza
No mesmo solo em que
ele pisa.
O Mistério se espalha
em penumbra
Até que, a cabeça,
lhe cubra:
E a mosca, bem como a
Lagarta,
Do doce Mistério se
farta.
E ela dá o fruto da
Trapaça,
Rubro e doce em sua
ameaça.
Seu ninho, o Corvo
construiu
Sob seu ramo mais
sombrio.
Os Deuses da terra e
do mar
Tentaram a Árvore
encontrar
Na Natureza,
inutilmente,
Pois ela cresce em
nossa Mente.
Referência:
BLAKE, William. The human abstract / A abstração humana. In: __________. Canções da inocência e canções da experiência.
Tradução, textos introdutórios e comentários de Gilberto Sorbini e Weimar de
Carvalho. Edição bilíngue comentada. São Paulo, SP: Disal, 2005. Em inglês: p. 123; em português: p. 122.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário