Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Charles Baudelaire: XVI - O Relógio

Baudelaire, no poema em prosa abaixo, nos reconta a história de um missionário na China que, para saber das horas por intermédio de um garoto, viu-se, de repente, surpreendido ao perceber que este recorrera ao branco dos olhos de um gato farto, para lhe afirmar que ainda não passara do meio-dia.

Contempla então o narrador os olhos de seu belo felino – sendo ambíguo se se trata de um gato propriamente dito ou de sua amante humana –, para de lá capturar todos as representações da eternidade!

J.A.R. – H.C.

Charles Baudelaire
(1821-1867)

XVI
L’Horloge

Les Chinois voient l’heure dans l’oeil des chats.
Un jour un missionnaire, se promenant dans la banlieue de Nankin, s’aperçut qu’il avait oublié sa montre, et demanda à un petit garçon quelle heure il était.
Le gamin du céleste Empire hésita d’abord; puis, se ravisant, il répondit: “Je vais vous le dire.” Peu d’instants après, il reparut, tenant dans ses bras un fort gros chat, et le regardant, comme on dit, dans le blanc des yeux, il affirma sans hésiter: “Il n’est pas encore tout à fait midi.” Ce qui était vrai.
Pour moi, si je me penche vers la belle Féline, la si bien nommée, qui est à la fois l’honneur de son sexe, l’orgueil de mon coeur et le parfum de mon esprit, que ce soit la nuit, que ce soit le jour, dans la pleine lumière ou dans l’ombre opaque, au fond de ses yeux adorables je vois toujours l’heure distinctement, toujours la même, une heure vaste, solennelle, grande comme l’espace, sans divisions de minutes ni de secondes, – une heure immobile qui n’est pas marquée sur les horloges, et cependant légère comme un soupir, rapide comme un coup d’oeil.
Et si quelque importun venait me déranger pendant que mon regard repose sur ce délicieux cadran, si quelque Génie malhonnête et intolérant, quelque Démon du contretemps venait me dire: “Que regardes-tu là avec tant de soin? Que cherches-tu dans les yeux de cet être? Y vois-tu l’heure? mortel prodigue et fainéant?” je répondrais sans hésiter: “Oui, je vois l’heure; il est l’Eternité!”
N’est-ce pas, madame, que voici un madrigal vraiment méritoire, et aussi emphatique que vous-même? En vérité, j’ai eu tant de plaisir à broder cette prétentieuse galanterie, que je ne vous demanderai rien en échange.

En: “Petits Poèmes en Prose” (1862)

O Relógio
(Juan Gris: pintor espanhol)

XVI
O Relógio

Os chineses veem as horas nos olhos dos gatos.
Um dia, um missionário, passeando nos arredores de Nanquim, percebeu que tinha esquecido o relógio e perguntou a um garotinho que horas eram.
A princípio, o moleque do celeste Império ficou indeciso; depois, mudando de ideia, respondeu: “Já vou lhe dizer”, e foi embora. Passados alguns instantes, ele reapareceu, segurando nas mãos um gato bem gordo, e, fitando-lhe, como se diz, o branco do olho, afirmou sem hesitar: “Ainda não passou do meio-dia”. O que era verdade.
Quanto a mim, se me chego à bela Felina – que nome justo! – que é, de uma só vez, a honra do seu sexo, o orgulho do meu coração e o perfume do meu espírito, quer seja de noite, quer seja de dia, em plena luz ou numa escuridão opaca, no fundo dos seus adoráveis olhos eu sempre vejo distintamente o tempo, sempre o mesmo, um tempo vasto, solene, grande como o espaço, não dividido em minutos nem em segundos – um tempo imóvel que não é marcado pelos relógios e, todavia, leve como um suspiro, rápido como uma olhada.
E se algum importuno me viesse incomodar, enquanto meu olhar repousasse sobre esse mostrador delicioso, se um Gênio desonesto e intolerante, um Demônio do contratempo viesse dizer-me: “O que é que estás olhando com tanta atenção? O que estás procurando nos olhos desse ser? Por acaso, vês lá as horas, mortal pródigo e vadio?” – responderia sem hesitar: “Sim, lá vejo as horas: é a Eternidade!”
Não é, Senhora, um madrigal realmente meritório e tão enfático quanto você? Na verdade, tive tanto prazer em bordar esse pretensioso galanteio que não lhe pedirei nada em troca.

Em: “Pequenos Poemas em Prosa” (1862)

Referências:

Em Francês

BAUDELAIRE, Charles. L’horloge. In: NOVARINO-POTHIER, Albine (Édition et choix). Le chat en 60 poèmes. Paris: Omnibus, 2013. p. 47.

Em Português

BAUDELAIRE, Charles. XVI - O Relógio. In: __________. O esplim de Paris: pequenos poemas em prosa e outros escritos. Tradução de Oleg Almeida. São Paulo, SP: Martin Claret, 2010. p. 50-51. (Clássicos de Bolso: literatura universal; n. 4)
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