Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 17 de maio de 2016

Dante Alighieri - Inferno: Canto I (Excerto)

Jorge Luis Borges – um autor que nos espanta pelo largo espectro de sua erudição –, em prosa suficientemente transparente, assim se manifesta sobre “A Divina Comédia”, de Alighieri, colocando-a no ápice de todas as literaturas:

“Uma vez escrevi um artigo intitulado ‘O enigma de Ulisses’. Publiquei-o, depois o perdi e agora vou procurar reconstruí-lo. Acho que é o episódio [Canto XXVI] mais enigmático da Comédia, talvez o mais intenso, só que é muito difícil, tratando-se de cumes, saber qual é o mais alto deles, e a Comédia é um conjunto deles.
Se escolhi a Comédia para esta primeira conferência é porque sou um homem de letras e acredito que o ápice da literatura e das literaturas é a Comédia. Isso não significa que concorde com sua teologia nem que esteja de acordo com suas mitologias. Temos a mitologia cristã e a pagã embaralhadas. Não se trata disso. Trata-se de que nenhum livro me proporcionou emoções estéticas tão intensas. E eu sou um leitor hedonista, repito; nos livros, procuro emoção.
A Comédia é um livro que todos devem ler. Deixar de fazê-lo é privar-se do melhor presente que a literatura pode nos oferecer, é entregar-se a um estranho ascetismo. Por que se negar a felicidade de ler a Comédia? Inclusive, não se trata de uma literatura difícil. Difícil é o que está por trás da leitura: as opiniões, as discussões; mas o livro em si é um livro cristalino” (BORGES, 2011, p. 98).

Decerto, “A Divina Comédia” extrai os seus méritos do poder de representação das imagens criadas pelo mestre italiano, sobretudo em meio aos seus passeios em companhia de Virgílio, pelos cantões esteticamente bem delimitados do “Inferno”.

Aproveitando então tal oportunidade, de modo a fazer brunir este bloguinho, transcrevemos, abaixo, numa tradução que não é manifestamente poética, senão quase literal, um excerto do Canto I, do “Inferno”, no qual:

“Dante se perde, à noite, na selva escura e, pela manhã, chega aos pés de uma colina iluminada pelo sol. Três feras barram-lhe o caminho e o fazem retroceder para a selva. Aparece-lhe o poeta Virgílio que o convida a seguir o itinerário espiritual da salvação através dos três reinos de além-túmulo” (ZAMPOGNARO, 2011, p. 45).

J.A.R. – H.C.

Dante Alighieri
(1265-1321)
Pintura do italiano Sandro Botticelli

Inferno
Canto I
(Estratto)

Nel mezzo del cammin di nostra vita
mi ritrovai per una selva oscura,
ché la diritta via era smarrita.
Ahi quanto a dir qual era è cosa dura
esta selva selvaggia e aspra e forte
che nel pensier rinova la paura!
Tant’è amara che poco è più morte;
ma per trattar del ben ch’i’ vi trovai
dirò de l’altre cose ch’i’ v’ho scorte.
Io non so ben ridir com’i’ v’intrai,
tant’era pien di sonno a quel punto
che la verace via abbandonai...

Ilustração: Canto I (“Inferno”)
(Gustave Doré: artista francês)

Inferno
Canto I
(Excerto)

No meio do caminho de nossa vida,
encontrei-me numa selva escura,
de tal modo que a via certa desaparecera.
Ah! Descrever como realmente era difícil
essa selva selvagem, áspera e densa
que no pensamento renova o medo!
Tanto é terrífica, que pouco mais é morte,
mas para descrever a boa ajuda que ali encontrei
falarei sobre outras coisas que ali divisei.
Não sei na verdade dizer como nela entrei,
pois estava de tal modo dominado pelo sono nesse momento
que a verdadeira via abandonei.

Referências:

ALIGHIERI, Dante. Inferno: Canto I (Estratto) / Inferno: Canto I (Excerto). Tradução de Carlos E. Zampognaro. In: ZAMPOGNARO, Carlos E. Dante Alighieri: o poeta filósofo. São Paulo, SP: Lafonte, 2011. Em Italiano: p. 64; em português: p. 64-65. (Filosofia Comentada)

BORGES, Jorge Luis. A divina comédia. In: __________. Borges oral & Sete noites. Tradução de Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

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