Mário Brito faz uma resenha de si mesmo, quando articula os quatorze
versos do soneto para arregimentar ideias atinentes à linguagem poética, à
linguística, ao léxico em geral, tais quais: poema, verbo, sílaba, retórica,
gramática, vocábulo, verso, drama, antologia, pronome etc.
São termos com os quais qualquer poeta como Brito se vê enredado e, por
eles, exatamente por articular as palavras para criar encanto e beleza, julga o
vate que, ao final, encontrará a redenção pela absolvição de eventuais heresias.
J.A.R. – H.C.
Mário da Silva Brito
(n. 1916)
Retrato
Das palavras nascem o
poema e a solidão.
O verbo é punhal
traiçoeiro e rosa sangrenta.
Uma sílaba contém o
amor e a outra o exílio.
Boca, por que hás de
falar e sempre em vão?
Calcinada flor,
desfaz-se em pó a retórica.
Que olhos abismados
soletram a gramática?
Dançam os vocábulos o
baile dos equívocos
em torno do home
atônito, filho da treva.
Um destino se esconde
no verso e a vida é drama.
Rito de ódio e canto
de embalar irrompem das antologias.
O pecado e o crime
foram gerados diante do pronome.
Rei e servo, santo e
demônio, o lábio escolhe o tempo.
Alguém me absolverá
quando todos me condenarem.
Estou marcado de
culpas e sou um homem.
Terra - Pintura Abstrata
(Amytea: artista
francesa)
Referência:
BRITO, Mário da Silva. Retrato. In:
__________. PoeMário da Silva Brito.
Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1966. p. 64. (Coleção ‘Poesia
Hoje’; Direção de Moacyr Félix; Série ‘Poetas Brasileiros’; v. 7)
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