Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 30 de janeiro de 2016

João Cabral de Melo Neto - Poema Deserto

Há neste poema de João Cabral muito de sinistro, mesmo que a pergunta que nele desponta seja atribuída a um terceiro, que não o detentor da própria voz poética: “Por que não um tiro de revólver ou a sala subitamente às escuras?”.

No fundo, o poeta se encontra imerso num processo de transformação catártico e, o que é pior, julga não haver meios de agir diretamente sobre os incômodos que o afligem, pois estes ocorrem sem o seu consentimento.

J.A.R. – H.C.

João Cabral de Melo Neto
(1920-1999)

Poema Deserto

Todas as transformações
todos os imprevistos
se davam sem o meu consentimento.

Todos os atentados
eram longe de minha rua.
Nem mesmo pelo telefone
me jogavam uma bomba.

Alguém multiplicava
alguém tirava retratos:
nunca seria dentro de meu quarto
onde nenhuma evidência era provável.

Havia também alguém que perguntava:
Por que não um tiro de revólver
ou a sala subitamente às escuras?

Eu me anulo me suicido,
percorro longas distâncias inalteradas,
te evito te executo
a cada momento e em cada esquina.

Desespero
(Frank Holl: pintor inglês)

Referência:

MELO NETO, João Cabral. Poema deserto. In: KOPKE, Carlos Burlamarqui. Antologia da poesia brasileira moderna: 1922-1947. São Paulo, SP: Clube de Poesia de São Paulo, 1953. p. 211.

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