Os poetas são mesmo grandes sonhadores. E manipulam as palavras de um
jeito que o construto assim erigido parece surgir diretamente de alguma poção transmitida
pelas musas mais atiladas do Parnaso.
Veja, leitor, como exemplo, o poema abaixo: se sinceras ou não, se
espontâneas ou não, se oportunas ou não, as palavras fluem com um tal sentido
de completude, que se tudo o que poeta externaliza for dissimulação,
fingimento, nada nos restará a fazer senão dar plena razão àquele certo gajo
lusitano!
J.A.R. – H.C.
Lúcio Cardoso – (1912, Curvelo, MG – 1968, Rio de Janeiro, RJ). Ficcionista, poeta,
memorialista e dramaturgo. Segundo momento do Modernismo. Obra poética: Poesias
(1941), Novas poesias (1944), Poemas inéditos (1982, org. Octavio de Faria),
Poesia completa (2011, org. Ésio Macedo Ribeiro) (BRAGA, 2015, p. 194).
Lúcio Cardoso
(1912-1968)
Poema
Sinto em mim
subsistir às vezes
uma região solene e
primitiva como a noite.
Sinto vibrar
estranhos gritos sem consolo,
ecos de seres que
ainda jazem no mistério.
E na indecisa vaga
deste sonho, na música
que se desfaz em
bruma sobre o mundo,
há a visão de um céu
a quem velaram o dia,
força, ímpeto de um
horizonte escurecido
e que chora a
vertigem dos astros-suicidas.
E há um silêncio
enorme, funesta paz
como a de um lago que
dorme enfeitiçado.
Mas nesse país em que
domina a sombra,
algumas vezes, como
um jato lívido de fogo,
qualquer coisa se
eleva – pura, inatingível,
alta como a estrela
que sobrepaira o abismo
e sobe aos pés de
Deus como um soluço.
Introspeção
(Gwen Albee: pintora
norte-americana)
Referência:
BRAGA, Rubem (1913-1990). A poesia é necessária. Organização de
André Seffrin. 1. ed. São Paulo, SP: Global, 2015. p. 111.
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