Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Lúcio Cardoso - Poema

Os poetas são mesmo grandes sonhadores. E manipulam as palavras de um jeito que o construto assim erigido parece surgir diretamente de alguma poção transmitida pelas musas mais atiladas do Parnaso.

Veja, leitor, como exemplo, o poema abaixo: se sinceras ou não, se espontâneas ou não, se oportunas ou não, as palavras fluem com um tal sentido de completude, que se tudo o que poeta externaliza for dissimulação, fingimento, nada nos restará a fazer senão dar plena razão àquele certo gajo lusitano!

J.A.R. – H.C.

Lúcio Cardoso  (1912, Curvelo, MG – 1968, Rio de Janeiro, RJ). Ficcionista, poeta, memorialista e dramaturgo. Segundo momento do Modernismo. Obra poética: Poesias (1941), Novas poesias (1944), Poemas inéditos (1982, org. Octavio de Faria), Poesia completa (2011, org. Ésio Macedo Ribeiro) (BRAGA, 2015, p. 194).

Lúcio Cardoso
(1912-1968)

Poema

Sinto em mim subsistir às vezes
uma região solene e primitiva como a noite.
Sinto vibrar estranhos gritos sem consolo,
ecos de seres que ainda jazem no mistério.
E na indecisa vaga deste sonho, na música
que se desfaz em bruma sobre o mundo,
há a visão de um céu a quem velaram o dia,
força, ímpeto de um horizonte escurecido
e que chora a vertigem dos astros-suicidas.
E há um silêncio enorme, funesta paz
como a de um lago que dorme enfeitiçado.
Mas nesse país em que domina a sombra,
algumas vezes, como um jato lívido de fogo,
qualquer coisa se eleva – pura, inatingível,
alta como a estrela que sobrepaira o abismo
e sobe aos pés de Deus como um soluço.

Introspeção
(Gwen Albee: pintora norte-americana)

Referência:

BRAGA, Rubem (1913-1990). A poesia é necessária. Organização de André Seffrin. 1. ed. São Paulo, SP: Global, 2015. p. 111.

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