As agruras do dia a dia são recolhidas neste poema de Gullar, um poeta
sempre focado nas contingências da vida e nos problemas sociais: o poema, como
uma fábrica, está fechado a contratações. Nele não há vagas disponíveis e,
portanto, não há salários que atenuem a carência de bens mínimos à
sobrevivência.
No fundo, um quadro de recessão transformado em substância poética. Sem
apelo a dinâmicas de recuperação pela via do emprego, sem luz no fim do túnel
pela adoção de políticas contracíclicas. Tudo meio parecido com o quadro econômico
que a nação vem passando nos últimos tempos...
J.A.R. – H.C.
Ferreira Gullar
(n. 1930)
Não há vagas
O preço do feijão
não cabe no poema. O
preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o
gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão.
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de
fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no
poema
o operário
que esmerila seu dia
de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema,
senhores,
está fechado: “não há
vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira.
Café
(Cândido Portinari:
pintor brasileiro)
Referência:
GULLAR, Ferreira. Não há vagas. In: PINTO, José Nêumanne (Sel.). Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do
Século. Ilustrações de Tide Hellmeister. 2. ed. São Paulo, SP: Geração
Editorial, 2004. p. 163-164.
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