Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Ferreira Gullar - Não há vagas

As agruras do dia a dia são recolhidas neste poema de Gullar, um poeta sempre focado nas contingências da vida e nos problemas sociais: o poema, como uma fábrica, está fechado a contratações. Nele não há vagas disponíveis e, portanto, não há salários que atenuem a carência de bens mínimos à sobrevivência.

No fundo, um quadro de recessão transformado em substância poética. Sem apelo a dinâmicas de recuperação pela via do emprego, sem luz no fim do túnel pela adoção de políticas contracíclicas. Tudo meio parecido com o quadro econômico que a nação vem passando nos últimos tempos...

J.A.R. – H.C.

Ferreira Gullar
(n. 1930)

Não há vagas

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão.

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

– porque o poema, senhores,
está fechado: “não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira.

Café
(Cândido Portinari: pintor brasileiro)

Referência:

GULLAR, Ferreira. Não há vagas. In: PINTO, José Nêumanne (Sel.). Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século. Ilustrações de Tide Hellmeister. 2. ed. São Paulo, SP: Geração Editorial, 2004. p. 163-164.

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