Eis aqui um interessante poema, a integrar a história do Natal à
realidade brasileira, realidade essa que se formou a partir da contribuição
precípua de três tipos humanos – o negro, o índio e o branco português –, circunstância
que permite associá-las às tipologias das figuras míticas dos três reis magos.
Mas o poema é mais que isso: ele bem lembra que a língua que se fala no
Brasil – a língua “brasileira” – resultou da confluência dos idiomas daqueles
três tipos em território pátrio, de forma que o idioma dominante, o português,
incorporou um rol apreciável de palavras com origens indígenas e negras,
formando esse rico acervo cultural: “Flor do Lácio, Sambódromo, Lusamérica, Latim
em Pó / O que quer e o que pode esta língua?”...
J.A.R. – H.C.
Menotti Del Picchia
(1892-1988)
Língua Brasileira
O povo menino
no seu presépio de
palmeiras
aguardou as oferendas
de Natal.
A nau primeira
trouxe o Rei do
Ocidente
que lhe deu o tesouro
sem-par
do Cantar de Amigo,
dos Autos de Gil
Vicente
e, depois, a epopeia
de Camões.
No navio negreiro
veio o Melchior do
mocambo
talhado em azeviche
como um ídolo benguela,
com a oferta
abracadabrante e gutural
dos monossílabos de
cabala.
Nos transatlânticos e
cargueiros,
o Rei Cosmopolita,
que tem as cores do
arco-íris
e os ritmos de todos
os idiomas,
trouxe-lhe o régio
presente
das articulações
universais.
Os três reis fizeram
um acampamento das raças
e ensinaram o povo
menino
a falar a língua
misturada
de Babel e da
América.
E assim nasceste,
ágil, acrobática,
sonora, rica e fidalga,
ó minha língua
brasileira!
In: “República dos Estados Unidos do
Brasil” - São Paulo, 1928)
A Adoração dos Magos
(Luca Giordano:
pintor italiano)
Referência:
PICCHIA, Menotti Del. Língua
brasileira. In: KOPKE, Carlos Burlamarqui. Antologia
da poesia brasileira moderna: 1922-1947. São Paulo, SP: Clube de Poesia de
São Paulo, 1953. p. 75-76.
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