“Diziam os antigos que a poesia nos eleva a Deus”: assim começa o poema
que o italiano Montale intitulou com o nome de um país que vem se tornando o
centro das atenções – e das preocupações – mundiais, qual seja, a Síria. O
poema, contudo, revela mesmo é alguma conexão com a bíblica história da conversão
de Paulo, narrada no livro dos Atos dos Apóstolos.
O poeta, então mudo, recobrou a voz em meio a um cenário pastoril, quando
em pane o motor de seu carro, incidente com certo significado erótico,
porquanto uma “seta de sangue” sugere mescla de paixão mística e paixão
amorosa, apontando o caminho para uma revelação de origem dominantemente
terrestre.
J.A.R. – H.C.
Eugenio Montale
(1896-1981)
Siria
Dicevano gli antichi
che la poesia
è scala a Dio. Forse
non è così
se mi leggi. Ma il
giorno io lo seppi
che ritrovai per te
la voce, sciolto
in un gregge di
nuvoli e di capre
dirompenti da un
greppo a brucar bave
di pruno e di
falasco, e i volti scarni
della luna e del sole
si fondevano,
il motore era guasto
ed una freccia
di sangue su un
macigno segnalava
la via di Aleppo.
Aleppo (Síria)
Síria
Diziam os antigos que
a poesia
nos eleva a Deus.
Talvez não seja assim
quando me leias. Mas
eu o soube o dia em que
graças a ti recobrei
a voz, perdido
em meio a um rebanho
de nuvens e de cabras
que irrompiam de um
barranco a desfolhar
sarças e juncos, e as
faces descarnadas
do sol e da lua se
fundiam,
estava em pane o
motor e uma seta
de sangue sobre uma
pedra indicava
a direção de Alepo.
Referência:
MONTALE, Eugenio. Siria / Síria. In:
__________. Poesias. Edição
bilíngue. Seleção, tradução e notas de Geraldo Holanda Cavalcanti. Prefácio de
Luciana Stegagno Picchio. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1997. Em italiano: p. 74;
em português: p. 75.
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