Dois poemas quase que com o mesmo tema: o amor carnal. O primeiro, com
clara alusão à escultura “O Beijo”, do francês Auguste Rodin, com quatro
quadras. O segundo, com quatro tercetos, selecionado na mesma recolha, embora dezenas de poemas à frente, parece haver tido a mesma fonte material de inspiração do
primeiro.
Ambos são de autoria do poeta lusitano António Salvado, o prolífico autor
que organizou, há algumas décadas, uma seleta de poemas de Natal, de autores portugueses,
de onde extraímos vários exemplares para postagem neste blog, já lá se vão dois
anos.
Os poemas de Salvado costumam ter espacejamentos maiores entre algumas
palavras, dando a impressão, imagina-se, de que a pausa que o leitor deve
conceder na leitura dos versos que os contêm há de ser um pouco mais prolongada
do que a de uma simples vírgula, por exemplo.
Os poemas em apreço fizeram-me lembrar de alguns sonetos e outras
composições sobre o mesmo assunto, de autoria do mineiro Carlos Drummond de
Andrade, ora publicados pela Companhia das Letras, sob o título “Declaração de Amor”. Vai aí uma boa pedida para os amantes da ‘ars
poetica’.
J.A.R. – H.C.
António Salvado
(n. 1936)
O beijo, em Rodin
(SALVADO, 1999, p.
17)
(Em “Estórias na
Arte”; 1ª ed. 1995)
Entrelaçados convulsivamente
no penetrante
palpitante agudo
enlace de seus lábios
insistentes
premidos a ferir em
sombra luz,
elevam-se no ritmo do
desejo
(as cabeças pungentes
e pendidas)
como se em breve a
floração da vida
roçasse o véu da
morte à vida preso,
entretecidos como se depois
já nada mais houvesse
a descobrir,
trepam na derradeira
despedida
a sensação de ainda
serem dois:
e sobem cingem, líquidos, vertigens
do momento supremo do
destino,
as duas bocas – uma –
perseguindo
cativas o segredo das
origens.
O Beijo
(Rodin: 1840-1917)
Imoderada é a paixão à vida
(SALVADO, 1999, p.
107)
(Em “Castalia”; 1ª
ed. 1997)
Imoderada é a paixão
à vida:
lábios colados em
furor, amantes –
um penetrando o
coração do outro
sem tréguas a
sorverem seduzidos
a própria carne como se o instante
fosse no tempo os
últimos arroubos:
e o cansaço em abraço
agita o mar
ainda mais
encapelado: corpos
que não temem
indícios de naufrágio,
desenfreados renegando a morte
sabem que ao longe a
torre do farol
há-de aludir o rumo
de seus passos.
Referência:
SALVADO, António. Obra III. Coimbra, PT: A Mar Arte, 1999.
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