Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 1 de agosto de 2015

António Salvado - O beijo, em Rodin

Dois poemas quase que com o mesmo tema: o amor carnal. O primeiro, com clara alusão à escultura “O Beijo”, do francês Auguste Rodin, com quatro quadras. O segundo, com quatro tercetos, selecionado na mesma recolha, embora dezenas de poemas à frente, parece haver tido a mesma fonte material de inspiração do primeiro.

Ambos são de autoria do poeta lusitano António Salvado, o prolífico autor que organizou, há algumas décadas, uma seleta de poemas de Natal, de autores portugueses, de onde extraímos vários exemplares para postagem neste blog, já lá se vão dois anos.

Os poemas de Salvado costumam ter espacejamentos maiores entre algumas palavras, dando a impressão, imagina-se, de que a pausa que o leitor deve conceder na leitura dos versos que os contêm há de ser um pouco mais prolongada do que a de uma simples vírgula, por exemplo.

Os poemas em apreço fizeram-me lembrar de alguns sonetos e outras composições sobre o mesmo assunto, de autoria do mineiro Carlos Drummond de Andrade, ora publicados pela Companhia das Letras, sob o título “Declaração de Amor”. Vai aí uma boa pedida para os amantes da ‘ars poetica’.

J.A.R. – H.C.

António Salvado
(n. 1936)

O beijo, em Rodin
(SALVADO, 1999, p. 17)
(Em “Estórias na Arte”; 1ª ed. 1995)

Entrelaçados   convulsivamente
no penetrante palpitante   agudo
enlace de seus lábios insistentes
premidos a ferir em sombra   luz,

elevam-se no ritmo do desejo
(as cabeças pungentes e pendidas)
como se em breve a floração da vida
roçasse o véu da morte à vida preso,

entretecidos   como se depois
já nada mais houvesse a descobrir,
trepam na derradeira despedida
a sensação de ainda serem dois:

e sobem   cingem, líquidos, vertigens
do momento supremo do destino,
as duas bocas – uma – perseguindo
cativas o segredo das origens.

O Beijo
(Rodin: 1840-1917)

Imoderada é a paixão à vida
(SALVADO, 1999, p. 107)
(Em “Castalia”; 1ª ed. 1997)

Imoderada é a paixão à vida:
lábios colados em furor, amantes –
um penetrando o coração do outro

sem tréguas a sorverem seduzidos
a própria carne   como se o instante
fosse no tempo os últimos arroubos:

e o cansaço em abraço agita o mar
ainda mais encapelado: corpos
que não temem indícios de naufrágio,

desenfreados   renegando a morte
sabem que ao longe a torre do farol
há-de aludir o rumo de seus passos.

Referência:

SALVADO, António. Obra III. Coimbra, PT: A Mar Arte, 1999.

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