Neste belo poema do professor e poeta mineiro Afonso Henriques Neto
podem-se pressentir as preleções do pensador judeu-alemão Walter Benjamin,
sobre os modos de se ver a História: para que a História não seja um descritivo
formal de fatos impostos pelo vencedor – a História oficial –, há necessidade
de varrê-la de ponta a ponta, a contrapelo.
Somente desse modo seremos capazes de perscrutar as forças e as razões
que estiveram em embate ao longo de toda a marcha humana, de sorte a se
resgatar os valores dignos de manutenção pelas gerações futuras.
J.A.R. – H.C.
Afonso Henriques Neto
(n. 1944)
Dos Olhos do Não
se lhes derem Kennedy
ou Kruschev ou De Gaulle
não acreditem nesta
única realidade
neste implacável
colar de conchas de ar
se lhes derem os
códigos os gestos as modas
não acreditem nesta
enlatada realidade
nesta implacável
aranha de invisíveis fios
se lhes derem a
esperança o progresso a palavra
não acreditem na
imposta realidade
na implacável
engrenagem das hélices de vácuo
aprendam a olhar
atrás do espelho
onde a história
jamais penetra
a profunda história
do não registrado
aprendam a procurar
debaixo da pedra
a história do sangue
evaporado
a história do anônimo
desastre
aprendam a perguntar
por quem construiu a
cidade
por quem cunhou o
dinheiro
por quem mastigou a
pólvora do canhão
para que as sílabas
das leis fossem cuspidas
sobre as cabeças
desses condenados ao silêncio
A Liberdade Guiando o Povo
(Eugène Delacroix:
pintor francês)
Referência:
HENRIQUES NETO, Afonso. Dos olhos no
não. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). 26
poetas hoje: antologia. 6. ed. Rio de Janeiro, RJ: Aeroplano Editora, 2007.
p. 112-113.
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