Num poema transpassado por certo niilismo, o poeta carioca Augusto
Schmidt busca firmar um pacto com a dimensão espiritual do homem, em detrimento
das contingências materiais que o delimitam.
Schmidt parece se encontrar naquelas situações-limite, como a de “José”,
no antológico poema de Drummond: já não aspira por nada, porque sente a
inutilidade de tudo, a não ser um encontro com o Senhor – o que, segundo ele,
seria uma “grande libertação”.
J.A.R. – H.C.
Augusto Frederico Schmidt
(1906-1965)
Libertação
Abandonaria os meus tristes e inúteis livros,
Abandonaria o meu quarto,
Abandonaria o minha casa,
Abandonaria a minha terra
E os meus parentes e amigos.
Abandonaria a tua lembrança,
A tua lembrança mil vezes infeliz.
Deixaria tudo, até os meus sentimentos,
Até as minhas saudades.
Como uma grande criança eu te seguiria, Senhor.
Eu iria contigo, se te lembrasses de passar ao alcance dos meus olhos.
Iria contigo para outros países.
Iria contigo para outros contatos.
Porque as raízes que me prendem aqui não são fundas,
Sou como o arbusto tenro que o vento arranca do seio da terra.
Eu iria contigo, Senhor!
E minha partida seria uma infinita libertação.
Há muito que erro perdido neste país,
Há muito que me vou sentindo diferente dos que habitam aqui,
Dos que estão mais próximos de mim.
Há muito que não compreendo o que eles falam,
Porque os sentimentos deles me são estranhos e incompreensíveis.
Iria contigo para outros países,
Deixando tudo que aderiu ao meu ser,
Deixando meus sentimentos, deixando minhas lembranças.
E seria uma grande libertação, porque a consciência da inutilidade de
tudo há muito habita o meu coração!
Libertação de São Pedro
(Bartolomé Esteban P.
Murillo: pintor espanhol)
Referência:
SCHMIDT, Augusto Frederico. Libertação.
In: __________. Antologia poética.
Seleção de Waldir Ribeiro do Val. Rio de Janeiro, GB: Leitura, 1962. p. 37-38.
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