Logo que pus os olhos no poema “Tratado do Tempo”, da poetisa carioca
Verônica de Aragão, mais abaixo transcrito, de repente, não mais que de
repente, recordei-me do livro “Pedro Páramo”, de Juan Rulfo.
É certo que a correlação entre as duas criações não se evidencia de modo
assim tão manifesto. Afinal, “Pedro Páramo” retrata a passagem do tempo à luz
de uma escrita ao modo fantástico, com aquele rol de personagens finadas a
revolver as suas experiências em vida, aninhadas em surpreendentes guinadas, a
demandar do leitor extrema atenção nas inflexões e mudanças de voz.
Mas a atmosfera do sonho, das paisagens idílicas, dos pendores mágicos
que emanam da escrita de Verônica, assim como os vislumbro, são retas secantes que
cruzam a curva do cultuadíssimo enredo concebido por Rulfo. Daí a associação...
J.A.R. – H.C.
Verônica de Aragão
nasceu em Rio de Janeiro, em 1965. Professora de língua e literatura
portuguesa. Licenciada em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de
Rio de Janeiro. A sua tese doutoral recolhe como ideia fulcral o pós-modernismo
e centra-se na obra de Silviano Santiago. Tem publicado artigos em edições
acadêmicas (GARCÍA, 2001, p. 499).
Tratado do Tempo
Eu vos proclamo
com toda a certeza de
quem nada sabe:
só existe o presente.
O resto
são miragens que
vislumbro
da minha janela,
quando amanhece.
O passado é um rio
incessante e pleno
interior, mágico ou
sombrio,
(que física
reconstrói emoções, fragmentos na memória?)
O futuro é uma janela
por onde aporta a esperança
e por onde adentra o
teu amor, tão certo, tão bom, tão infinito.
Mas amor, não há nada
além do agora.
E é desconcertante
entender que no agora não nos encontramos.
Deixemos para depois
esta possibilidade,
este sonho de que um
dia as almas se conheçam.
American Gothic
(Grant Wood: pintor norte-americano)
Referência:
ARAGÃO, Verônica. Tratado do tempo. In: GARCÍA, Xosé Lois. Antologia da poesia brasileira /
Antología de la poesía brasileña. Edición bilingüe. Santiago de
Compostela, Galiza, U.E.: Laiovento, 2001. p. 504.
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