Hoje soprou-me incomum alento que, imagino, deve ter sido alguma
invocação de São Jerônimo (rs) – o padroeiro dos tradutores –, para que
vertesse ao português o poema “Brahma”, a um só tempo esplêndido e polêmico, do
norte-americano Ralph Emerson.
Trata-se de uma daquelas inspirações que têm por ponto de partida a
milenar filosofia religiosa indiana. Mas por não conhecer a fundo tal
literatura, não saberia dimensionar o quanto do poema constitui paráfrases de
livros como o épico “Mahabharata”, e quanto são ideias próprias do autor do
poema.
Seja como for, vê-se que é Brahma, o espírito criador e unificador do
universo que o enuncia. Coisas e situações antinômicas são reconciliadas na
lógica paradoxal do bramanismo. Eis que o “matador vermelho”, ou o deus hindu
Krishna, e sua vítima são fundidos na unidade de Brahma, a alma eterna e
infinita de tudo quanto existe. Bem se vê: uma ordem cósmica muito além da
percepção limitada dos simples mortais...
J.A.R. – H.C.
Ralph Waldo Emerson
(1803-1882)
Brahma
If the red slayer think he slays,
Or if the slain think he is slain,
They know not well the subtle ways.
I keep, and pass, and turn again.
Far or forgot to me is near;
Shadow and sunlight are the same;
The vanished gods to me appear;
And one to me are shame and fame.
They reckon ill who leave me out;
When me they fly, I am the wings;
I am the doubter and the doubt,
I am the hymn the Brahmin sings.
The strong gods pine for my abode,
And pine in vain the sacred Seven;(*)
But thou, meek lover of the good!
Find me, and turn thy back on heaven.
(Nov. 1857)
Representação de Brahma
Brahma
Se o matador vermelho
cogita que vitima
Ou se o finado pensa
que está morto,
É porque desconhecem as
sutis aparências.
Eu perduro, e passo,
e torno a voltar.
Do distante ou do
olvidado sou próximo;
A sombra e a luz do
sol se equivalem;
Os deuses
desvanecidos revelam-se-me;
E não faço distinção
entre fama e desonra.
Equivocam-se aqueles
que me excluem;
Quando de mim
distanciam-se, eu sou as asas;
Eu sou o que duvida e
sua dúvida,
Sou o hino que o
brâmane entoa.
Os poderosos deuses
aspiram por meu lar,
E anelam em vão pelos
Sete sagrados;
Porém tu, dócil
amante do bem!
Vem até mim e volve ao
céu teu dorso.
Nota:
(*) É possível que este verso faça referência
aos sete sacerdotes, muito sábios, com quem os brâmanes haveriam de entrar em
contato para rastrear suas origens: Atri, Bharadvaja, Gautama, Jamadagni,
Kashyapa, Vasishtha e Vishvamitra.
Referência:
EMERSON, Ralph Waldo. Brahma.
In: __________. The complete works of Ralph
Waldo Emerson. V. IX. Poems.
Boston and New York: Houghton, Mifflin & Co., 1904. p. 195.
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