Com grafia levemente adaptada para o português falado no Brasil,
trazemos neste momento um sublime poema de um poeta brasileiro de origem
portuguesa, nomeadamente Marcos Leal, pseudônimo de Rodrigo Leal Rodrigues
(1928-2004).
O poema faz alusão aos limites da palavra falada ou escrita, para
expressar tudo o que vai no interno dos seres humanos. Por conseguinte, o poeta
preconiza outras tantas possibilidades de linguagem, de exteriorização de
sentimentos, de anseios, frustrações. Pelos gestos, pelas expressões faciais,
pelo corpo em geral, pois há “urgência no amor”!
J.A.R. – H.C.
Linguagem do Corpo IX
(Alfred Gockel: artista
alemão)
I
É preciso com
urgência inventar novas palavras
porque as conhecidas
estão gastas e já não dizem tudo.
Como iremos explicar
nossos silêncios prolongados
e as emoções úmidas
que sentimos no ar
quando estamos
juntos?
Como iremos descrever
a música que sentimos
e que enche todo o
Universo quando nos olhamos?
E quando a minha pele
toca a tua pele,
(às vezes só as mãos
se reconhecem...)
toda a aritmética da
vida cessa de ter sentido.
E como iremos
explicar a solidão do mundo,
se quando estamos
juntos não descobrimos ninguém
e nos bastamos, como
se basta à mãe a criança por nascer?
II
É urgente que falemos
É urgente que nossas
mãos nos descubram
E urgente que a nossa
pele encontre a paz que faltava
E urgente que os
corpos se conheçam
e que a ternura os
invada por não serem mais sós
É urgente colocar
risos em nossas bocas
e sonho nos nossos
olhos tantas vezes cansados
É urgente que nos demos
E urgente o amor amor
III
Povoas-me de insônia
as noites
acenando com
madrugadas que não chegam
Sou como pássaro
cortando o espaço a quem o raio derrubasse
Morro a cada instante
um pouco mais
enquanto espero
Povoam-me todos os
seres que algum dia
Foram dentro de mim
paz ou angústia
O peso de tudo que
carrego tarda-me os voos
E falece-me a
intimidade
– Vou com a manhã
Referência:
LEAL, Marcos. (Poema sem título). CONGÍLIO,
Mariazinha (Selecção e Coordenação). Antologia
de poetas brasileiros. 1. ed. Lisboa, PT: Universitária Editora, 2000. p.
134-136.
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