Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 8 de agosto de 2015

Silva Ramos - Teologia Onírica

O poema que ora postamos foi extraído da coletânea de poemas “Futuro”, de 1968, de autoria do poeta paulista Silva Ramos. Nele, nota-se a relação necessária entre Deus e o sonho, essa capacidade de criar tudo quanto existe, a partir de um estado volitivo autógeno, autorreferente dir-se-ia.

O vate percebe no espaço interestelar as potencialidades de um sonho, lá onde pulsam estrelas que podem ser metaforizadas em devaneios do Eterno, perceptíveis a olho nu ou ao microscópio, mas inatingíveis no breve intervalo de tempo da existência humana.

J.A.R. – H.C.

Péricles Eugênio da Silva Ramos
(1919-1992)

      Teologia Onírica

      Sem ele, tudo ruiria,
      céus e tetos,
      e ficaríamos perdidos na existência;
      é ele a face exata da verdade,
      o peito, o rosto, a fronte da verdade, em sua cândida nudez:
      porque a verdade mais vulgar
      é a simples cabeleira,
      a nuca, o dorso,
      a flecha que desliza e foge rumo ao solo,
      linha do corpo que se precipita
      para o chão geral, definitivo.

      Sem ele, sem o sonho, o céu desabaria,
      a sombra tragaria o próprio Deus,
      que sonha e é o sonho que é sonhado por si mesmo,
      ora serena, ora perdidamente,
      as mãos cheias de estrelas, nas pupilas o brilho das galáxias,
      nudez sagrada e cintilante
      a encher a noite quando o sonho sonha:
      que o sonho é Deus que sonha e cria o tempo
      – esta miragem, fonte com rumor de folhas refletidas –,
      a terra e o seu rumor de nuvens e cantigas,
      a vida e a morte, como um rosto e o seu perfil.

O Sonho de José
(Gaetano Gandolfi: pintor italiano)

Referência:

RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Poesia quase completa. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1972. p. 133.

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