O poema que ora postamos foi extraído da coletânea de poemas “Futuro”,
de 1968, de autoria do poeta paulista Silva Ramos. Nele, nota-se a relação necessária
entre Deus e o sonho, essa capacidade de criar tudo quanto existe, a partir de
um estado volitivo autógeno, autorreferente dir-se-ia.
O vate percebe no espaço interestelar as potencialidades de um sonho, lá
onde pulsam estrelas que podem ser metaforizadas em devaneios do Eterno,
perceptíveis a olho nu ou ao microscópio, mas inatingíveis no breve intervalo
de tempo da existência humana.
J.A.R. – H.C.
Péricles Eugênio da Silva Ramos
(1919-1992)
Teologia Onírica
Sem ele, tudo ruiria,
céus e tetos,
e ficaríamos perdidos na existência;
é ele a face exata da verdade,
o peito, o rosto, a fronte da verdade, em sua cândida nudez:
porque a verdade mais vulgar
é a simples cabeleira,
a nuca, o dorso,
a flecha que desliza e foge rumo ao solo,
linha do corpo que se precipita
para o chão geral, definitivo.
Sem ele, sem o sonho, o céu desabaria,
a sombra tragaria o próprio Deus,
que sonha e é o sonho que é sonhado por si mesmo,
ora serena, ora perdidamente,
as mãos cheias de estrelas, nas pupilas o brilho das galáxias,
nudez sagrada e cintilante
a encher a noite quando o sonho sonha:
que o sonho é Deus que sonha e cria o tempo
– esta miragem, fonte com rumor de folhas refletidas –,
a terra e o seu rumor de nuvens e cantigas,
a vida e a morte, como um rosto e o seu perfil.
O Sonho de José
(Gaetano Gandolfi:
pintor italiano)
Referência:
RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Poesia quase completa. Rio de Janeiro:
Livraria José Olympio Editora, 1972. p. 133.
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