Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Chacal - Como Era Bom

Haja complexidade no mundo de hoje: Edgar Morin que o diga! E para tanta complexidade, some-se mais um volume para o método capaz de apreendê-la: foram seis ao todo. Haja poder verbal na obra do teórico judeu-francês!

Há quem aprecie um mundo menos “louco”, tal como o viveram Marx e Freud, capazes que foram de explicá-lo “asséptica e simplificadamente”.

Mas retorno aqui aos meus botões: será que o explicaram mesmo de modo simples? Afinal, Marx e Freud deixaram obras caudalosas, com alguns tomos meio áridos para serem vencidos, que a quem se dedica a perscrutá-los jamais assolará a certeza de haver tudo vasculhado e compreendido.

Ainda bem que o poeta reteve a principal lição: “é preciso aprender a nascer todo dia”, pois do contrário estaremos superados num piscar d’olhos!

J.A.R. – H.C.

Ricardo de Carvalho Duarte
(Chacal)
(n. 1951)

Apreciação de Manuel da Costa Pinto (2006, p. 136-138)

Chacal (apelido de Ricardo de Carvalho Duarte) é, ao lado de nomes como Charles Peixoto, Cacaso, Eudoro Augusto e Nicolas Behr, representante da “geração mimeógrafo” surgida nos anos 1970, quando a censura da ditadura militar obrigou os poetas a buscarem meios alternativos para imprimir seus trabalhos (edições artesanais, feitas no mimeógrafo e distribuídas à margem do circuito comercial). Mas a marginalidade desses autores não dizia respeito apenas a uma atitude anárquica em relação ao mundo “oficial” e do sistema econômico. Também se opunha a uma vanguarda (leia-se: poesia concreta, poesia práxis e poema-processo) que estaria demasiado afastada das ruas, imersa em experimentações cujo “formalismo” neutralizava suas pretensões transformadoras. Como alternativa a esse triunfalismo utópico, tornado inócuo pelos “anos de chumbo” da repressão política, os poetas marginais – assim como os tropicalistas, em cuja Navilouca(*) Chacal navegou – propunham as condutas contraculturais (liberdade sexual, drogas) expressas numa poética desinflada, espontânea, jocosa. Passado o processo de abertura e redemocratização do país, esses autores continuaram praticando uma poesia aberta para a surpresa e o lirismo das pequenas coisas, que pode passar “cambaleante pelas ruas” como uma elefanta que, “com seu passo lerdo, um tanto tardo de ser”, denuncia I paralisia do mundo – dentro de um registro que remete aos poemas “O Elefante”, de Drummond (1902-1987), e “Elefante” de Francisco Alvim. Trata-se, enfim de uma poesia, intencionalmente pueril – e talvez involuntariamente melancólica – que prefere “aprender a nascer todo dia” àquelas grandes teorias (como a sociologia marxista ou a psicanálise freudiana) que simplificam, com suas generalizações e conceitos abstratos, a complexa singeleza da vida concreta.
(*) Revista editada nos anos 1970 pelos tropicalistas Torquato Neto e Waly Salomão.
Principais Obras: Muito Prazer, Ricardo (1971), Preço da Passagem (1972), América (1975), Olhos Vermelhos (1979), Nariz Aniz (1979), Boca Roxa (1979) – em edições do autor –, Drops de Abril (antologia, 1983), Comício de Tudo (poesia e crônica, 1986) – ambos pela Brasiliense –, Letra Elétrika (Diadorim, 1994).

Membros: Sr. Steer e Sr. Sickert
(Walter Richard Sickert: pintor alemão)

Como Era Bom

o tempo em que marx explicava
que tudo era luta de classes
como era simples
o tempo em que freud explicava
que édipo tudo explicava
tudo clarinho limpinho explicadinho
tudo muito mais asséptico
do que era quando nasci
hoje rodado sambado pirado
descobri que é preciso aprender
a nascer todo dia

Da antologia “Boas Companhias”
(Companhia das Letras, 2004)

Referência:

CHACAL. Como era bom. In: PINTO, Manuel da Costa (Edição, Seleção e Comentários). Antologia comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo: Publifolha, 2006. p. 136.

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