Haja complexidade no mundo de hoje: Edgar Morin que o diga! E para tanta
complexidade, some-se mais um volume para o método capaz de apreendê-la: foram
seis ao todo. Haja poder verbal na obra do teórico judeu-francês!
Há quem aprecie um mundo menos “louco”, tal como o viveram Marx e Freud,
capazes que foram de explicá-lo “asséptica e simplificadamente”.
Mas retorno aqui aos meus botões: será que o explicaram mesmo de modo
simples? Afinal, Marx e Freud deixaram obras caudalosas, com alguns tomos meio
áridos para serem vencidos, que a quem se dedica a perscrutá-los jamais
assolará a certeza de haver tudo vasculhado e compreendido.
Ainda bem que o poeta reteve a principal lição: “é preciso aprender a
nascer todo dia”, pois do contrário estaremos superados num piscar d’olhos!
J.A.R. – H.C.
Ricardo de Carvalho Duarte
(Chacal)
(n. 1951)
Apreciação de Manuel da Costa Pinto
(2006, p. 136-138)
Chacal (apelido de Ricardo de Carvalho
Duarte) é, ao lado de nomes como Charles Peixoto, Cacaso, Eudoro Augusto e
Nicolas Behr, representante da “geração mimeógrafo” surgida nos anos 1970,
quando a censura da ditadura militar obrigou os poetas a buscarem meios
alternativos para imprimir seus trabalhos (edições artesanais, feitas no
mimeógrafo e distribuídas à margem do circuito comercial). Mas a marginalidade
desses autores não dizia respeito apenas a uma atitude anárquica em relação ao
mundo “oficial” e do sistema econômico. Também se opunha a uma vanguarda
(leia-se: poesia concreta, poesia práxis e poema-processo) que estaria
demasiado afastada das ruas, imersa em experimentações cujo “formalismo”
neutralizava suas pretensões transformadoras. Como alternativa a esse
triunfalismo utópico, tornado inócuo pelos “anos de chumbo” da repressão política,
os poetas marginais – assim como os tropicalistas, em cuja Navilouca(*) Chacal navegou – propunham as condutas contraculturais
(liberdade sexual, drogas) expressas numa poética desinflada, espontânea,
jocosa. Passado o processo de abertura e redemocratização do país, esses
autores continuaram praticando uma poesia aberta para a surpresa e o lirismo
das pequenas coisas, que pode passar “cambaleante pelas ruas” como uma elefanta
que, “com seu passo lerdo, um tanto tardo de ser”, denuncia I paralisia do mundo
– dentro de um registro que remete aos poemas “O Elefante”, de Drummond
(1902-1987), e “Elefante” de Francisco Alvim. Trata-se, enfim de uma poesia,
intencionalmente pueril – e talvez involuntariamente melancólica – que prefere “aprender
a nascer todo dia” àquelas grandes teorias (como a sociologia marxista ou a
psicanálise freudiana) que simplificam, com suas generalizações e conceitos
abstratos, a complexa singeleza da vida concreta.
(*) Revista editada nos anos 1970 pelos
tropicalistas Torquato Neto e Waly Salomão.
Principais Obras: Muito Prazer, Ricardo (1971), Preço da Passagem (1972), América (1975), Olhos Vermelhos (1979), Nariz
Aniz (1979), Boca Roxa (1979) –
em edições do autor –, Drops de Abril
(antologia, 1983), Comício de Tudo (poesia
e crônica, 1986) – ambos pela Brasiliense –, Letra Elétrika (Diadorim, 1994).
Membros: Sr. Steer e Sr. Sickert
(Walter Richard Sickert: pintor alemão)
Como Era Bom
o tempo em que marx
explicava
que tudo era luta de
classes
como era simples
o tempo em que freud
explicava
que édipo tudo
explicava
tudo clarinho
limpinho explicadinho
tudo muito mais
asséptico
do que era quando
nasci
hoje rodado sambado
pirado
descobri que é
preciso aprender
a nascer todo dia
Da antologia “Boas Companhias”
(Companhia das Letras, 2004)
Referência:
CHACAL. Como era bom. In: PINTO, Manuel
da Costa (Edição, Seleção e Comentários). Antologia
comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo: Publifolha, 2006.
p. 136.
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