Com o oportuno nome de “Passagem de
Ano”, o poema ora estampado retrata as desesperanças e, ao mesmo tempo, as
expectativas que sempre se renovam ao longo desta época, pois, afinal, ser
humano e expressar essa humanidade são um e somente um propósito, a
manifestar-se pela busca do novo – ainda que muitas de nossas promessas de
mudança efetivamente não se concretizem.
Contudo, isso pouco importa: sonhar de
olhos abertos é o melhor dos mundos! E “sonhar não custa nada”, como afirma o lendário
samba-enredo da Mocidade.
E pelo momento, desejo a todas
as pessoas do Brasil e do Mundo, sem distinção de cor, raça, religião, sexo ou
outras coisas que tenham o potencial para dividir-nos, um Ano Novo pleno de realizações. Que a humanidade mostre aptidão para viver em paz nas
suas muitas diferenças.
Um grande abraço para todo(a)s. E muito
obrigado aos internautas que nos deram a honra de suas visitas às páginas deste
blog.
J.A.R. – H.C.
Murilo Moreira Veras
(n.: 1933)
Passagem de Ano
Nos olhos, a
perspectiva de um sonho,
enquanto a vida gira,
os últimos segundos
se apagam
no palco iluminado
de efêmeras esperanças,
último amplexo,
sem nome,
sem destino,
a última função de um
circo,
o louco circo
do viver.
Ao redor, os
espectadores
estouram foguetes,
servem banquetes,
músicas golpeiam o
espaço
e vozes polifônicas
se erguem das bocas
dos comensais.
Corais anônimos
entoam hinos,
ensaiam canções,
cançonetas populares,
tudo em ritmo
ligeiro,
esfuziante,
retumbante,
como a própria vida,
o próprio sonho
realizado,
a criança que sorri.
E a última função do
pequeno-grande-circo
seus folguedos,
seus segredos,
muita alegria,
e brincadeira,
no minúsculo
picadeiro,
da vida,
da alma,
dos corações:
– mercado de ilusões
diárias
no balanço final do
ano.
Hoje tem festa?
– tem, sim, senhor.
Hoje tem palhaçada?
– tem, sim, senhor.
E mais um dia se vai
no picadeiro do mundo,
– ilusões vividas,
– sonhos escondidos,
– lágrimas vertidas,
no seco vale da vida,
no revolto mar da
lida.
Na curvatura do
universo,
o tempo se perde
com o adeus à pessoa
amada,
enquanto isso, o
pequeno trem de nossos segredos
cruza a última volta
do caminho,
a fumaça some,
soluçando
um aceno
um beijo
de adeus.
Hoje é dia de festa?
– é, sim, senhor.
Hoje é o último dia
do ano?
– também é, sim,
senhor.
E o ladrão do
circo-vida
onde está ele, meu
senhor?
Fugiu
com a saudade
que restou.
New Year’s Eve Party
Samantha Smith: artista norte-americana
Referência:
VERAS, Murilo Moreira. Passagem de ano.
In: __________. Ventos vertentes.
Brasília (DF): Itiquira / Círculo Literário de Brasília, 1981. p. 33-34.
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