Com título a parodiar famoso poema de Fernando
Pessoa, seu conterrâneo, Luís Castro inova contudo na forma, ao inverter a
ordem do soneto convencional – duas quadras e dois tercetos – para dois
tercetos e duas quadras.
É como se quisesse provar que a forma não pode se sobrepor à essência:
de fato, é o conteúdo do poema que há de se traduzir em poesia, para o deleite
dos adoradores das letras.
E a matéria do poema de Mendes deixa transparecer um homem com carências
ainda pendentes desde a infância, a fixar os olhos num cenário quase sem
contrastes. Explicitemo-lo: neve branca, neve alva, nívea neve. Se adotarmos
uma hipótese, com efeitos devastadores sobre a fidelidade da memória.
J.A.R. – H.C.
Luís Filipe de Castro Mendes
(n. 1950)
Natal... na província neva
Recordação de neve na
cidade:
às vezes os meus
dedos procuravam
um conforto de
infância ameaçada.
Nos bolsos esgarçados
o cotão,
os restos da ternura
nunca dada:
sempre se me fez
longe o coração.
E o consolo perfeito,
sem idade,
das coisas que há por
dentro da lembrança;
recordação de neve na
cidade:
foi antes do terror,
da esperança.
Seja sempre quem sou
esta distância
que muda em mim as
coisas conseguidas
em dedos que procuram
da infância
cotão, ternura,
restos de outras vidas.
(Extraído de ‘Outras
canções’)
Referência:
MENDES, Luís Filipe de Castro. Natal...
na província neva. In: COSTA E SILVA, Alberto; BUENO, Alexei (Seleção e
Introdução). Antologia da poesia
portuguesa contemporânea: um panorama. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999. p.
412-413.
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