Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Luís Filipe de Castro Mendes - Natal... na província neva

Com título a parodiar famoso poema de Fernando Pessoa, seu conterrâneo, Luís Castro inova contudo na forma, ao inverter a ordem do soneto convencional – duas quadras e dois tercetos – para dois tercetos e duas quadras.

É como se quisesse provar que a forma não pode se sobrepor à essência: de fato, é o conteúdo do poema que há de se traduzir em poesia, para o deleite dos adoradores das letras.

E a matéria do poema de Mendes deixa transparecer um homem com carências ainda pendentes desde a infância, a fixar os olhos num cenário quase sem contrastes. Explicitemo-lo: neve branca, neve alva, nívea neve. Se adotarmos uma hipótese, com efeitos devastadores sobre a fidelidade da memória.

J.A.R. – H.C.

Luís Filipe de Castro Mendes
(n. 1950)

Natal... na província neva

Recordação de neve na cidade:
às vezes os meus dedos procuravam
um conforto de infância ameaçada.

Nos bolsos esgarçados o cotão,
os restos da ternura nunca dada:
sempre se me fez longe o coração.

E o consolo perfeito, sem idade,
das coisas que há por dentro da lembrança;
recordação de neve na cidade:
foi antes do terror, da esperança.

Seja sempre quem sou esta distância
que muda em mim as coisas conseguidas
em dedos que procuram da infância
cotão, ternura, restos de outras vidas.

(Extraído de ‘Outras canções’) 


Referência:

MENDES, Luís Filipe de Castro. Natal... na província neva. In: COSTA E SILVA, Alberto; BUENO, Alexei (Seleção e Introdução). Antologia da poesia portuguesa contemporânea: um panorama. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999. p. 412-413.

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