Manuel Bandeira, tanto quantos outros adultos que têm boas lembranças da
infância, como eu ou você, rememora os seus antigos natais, nos quais se
escutavam os sinos dos campanários das igrejas de uma forma não exatamente como
o fazem os nossos ouvidos de hoje, já maduros mas entediados, senão com o
espírito do inusitado, da novidade, ou melhor, com o sentido da descoberta a que
tanto as crianças se expõem.
Afinal, a lírica do poeta evidencia que não há silêncio no noturno pátio
em que se encontra, mas o bimbalhar de sinos. Contudo, não os sinos de sua
infância, porém outros sinos. Daí porque a eles se refere como “os sinos [de
hoje] do meu Natal sem sinos [de ontem]”.
Além disso, aparentemente, Bandeira associa o ressoar dos sinos com o
eco memorial do alvoroço das crianças: a passagem “Ah meninos sinos / De quando
eu menino!” teria, sob tal enfoque, símile em “Ah meninos estrepitosos / Da
minha época de criança”. E é aos meninos de hoje que o poeta se dirige, para
que, com esse espírito estrepitoso, sejam capazes de evocar os sinos fixados em
sua memória: “Bimbalhai meninos / Pelos sinos (sinos que não ouço)”.
J.A.R. – H.C.
Manuel Bandeira
(1886-1968)
Natal sem Sinos
No pátio a noite é
sem silêncio.
E que é a noite sem o
silêncio?
A noite é sem
silêncio e no entanto onde os sinos
Do meu Natal sem
sinos?
Ah meninos sinos
De quando eu menino!
Sinos da Boa Vista e
de Santo Antônio.
Sinos do Poço, do
Monteiro e da Igrejinha de Boa Viagem.
Outros sinos
Sinos
Quantos sinos
No noturno pátio
Sem silêncio, ó sinos
De quando eu menino,
Bimbalhai meninos,
Pelos sinos (sinos
Que não ouço), os
sinos de
Santa Luzia.
(Rio de Janeiro, 1952)
Bells of San Xavier
(Lillian W. Smith: 1920)
Referência:
BANDEIRA, Manuel. Natal sem sinos. In:
__________. Antologia poética. 6.
ed. Rio de Janeiro: Sabiá, 1961. p. 164-165.
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