E agora, que tal misturarmos o tema natalino com o da apologia aos
felinos? Foi o que fez o escritor, diplomata e crítico Ventura G. Calderón,
peruano de origem, mas que viveu a maior parte de sua vida em Paris, França.
E ele, com muita graça, remontando à cena da natividade, naquele acanhado estábulo, nos surpreende com uma lição que o gato da historinha teria aplicado à tenra e divina criança: a de que o mundo é um campo aberto para a dor.
J.A.R. – H.C.
Ventura G. Calderón
(1886-1959)
Navidad Socialista
Para mi gato negro.
No lo refiere el
Evangelio pero graves autores lo comentan y yo creo a pie juntillas en la
Navidad distributiva. Porque la providência del Señor no podía tolerar
favoritismos en aquella fiesta de los humildes que verán a Dios.
Todos los animales
tripulantes del arca asistieron, pois, al bautizo llevando escritos en el pecho
los eternos números que les fijara em tiempos muy remotos el protocolo de Noé.
Las bestias fieras y las mansas desfilaron por la puerta de aquel establo em
ruínas. Claro está que no todas pudieron llegar hasta la cuna: los elefantes se
limitaron a danzar en la puerta como en los circos y las jirafas asomaban por
el techo sus ojos de vírgenes. Pero muy cerca de la cuna un arcano zureo de
palomas indicaba las horas como en los viejos relojes románticos, el buho
oscilaba su péndulo gris y bruscamente la cauda fabulosa del pavón reverberó en
la ventana como un crepúsculo bárbaro.
Mientras tanto por
una oquedad de aquella choza de donde subían al sol los vahos tibios del
establo, asomaba una cabeza negra de mostachos blancos. Era el gato de la
vecindad acudido a la algazara y ya dispuesto a asistir con indolência, desde
la más cómoda viga, a la fiesta ajena. Sin duda hubiera demorado allí su pereza
de fatalista si un rayo de luz no encendiera el amuleto que ingenuamente, había
colocado Baltasar en las manos del niño divino. De un brinco prodigioso saltá a
la cuna de paja y su espléndida garra dejó en la palma de Jesus – profético
estigma de los clavos –, cinco gotas de sangre.
Volvió Ia madre el
rostro de Madona de Luini, exhaló un leve grito y ya iba a coger ia vara de lirios
del Esposo para azotar al mostruo diminuto, cuando San José que viera la sonrisa
indulgente del niño, San José que todo lo comprendía y lo excusaba – pues por
algo es el patrono de los maridos – murmuró gentilmente:
– Bienaventurado
seas, hermano gato, porque le has ensenado el dolor.
Madona do Jardim das Rosas
ou Madona de Luini
(Bernardino Luini:
1510)
Natal Socialista
Para meu gato negro.
Não o refere o
Evangelho, mas autores sérios o comentam e eu acredito de pés juntos no Natal
distributivo. Porque a providência do Senhor não poderia tolerar favoritismos
naquela festa dos humildes que verão a Deus.
Todos os animais
tripulantes da arca assistiram, pois, ao batizado levando escritos no peito os
eternos números que o protocolo de Noé lhes fixara. Os animais ferozes e os
mansos desfilaram pela porta daquele estábulo em ruínas. Claro está que nem
todos puderam chegar até o berço: os elefantes se limitaram a dançar na porta
como nos circos e as girafas assomavam pelo telhado seus olhos de virgens. Mas
muito próximo do berço um arrulho arcano de pombas indicava as horas como nos
velhos relógios românticos, a coruja oscilava o seu pêndulo cinza e bruscamente
a cauda fabulosa do pavão reverberou na janela como um crepúsculo bárbaro.
Enquanto isso, por
uma cavidade daquela cabana, por onde subiam ao sol os vapores tépidos do
estábulo, aflorava uma cabeça negra de bigodes brancos. Era o gato da
vizinhança acudido à algazarra e já disposto a assistir com indolência, desde a
mais cômoda viga, a festa alheia. Sem dúvida que ali teria se demorado em sua
preguiça fatalista, se um raio de luz não acendesse o amuleto que Baltasar
havia colocado nas mãos do divino menino. De um pulo prodigioso saltou até o
berço de palha e sua esplêndida garra deixou na palma de Jesus – profético
estigma dos cravos –, cinco gotas de sangue.
Volveu a mãe o rosto
de Madonna de Luini, emitiu um leve grito e já ia tomar a vara de lírios do
Esposo para importunar o diminuto monstro, quando São José, que vira o sorriso
indulgente do menino, São José que tudo o compreendia e o escusava – pois por
algum motivo é o patrono dos maridos – murmurou gentilmente:
– Bem-aventurado
sejas, irmão gato, porque lhe hás ensinado a dor.
Madona e o Menino com Sant’Anna
ou Madona da Gata
(Giulio Romano: 1523)
Referência:
CALDERÓN, Ventura García. Navidad
socialista. In: __________. Obras
escogidas: Cantinelas Prólogo, selección y notas de Luis Alberto Sánchez.
Lima (PE): Ediciones Edubanco, 1986. p. 358-359.
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