Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Patrick Kavanagh - Advento

Num belo poema com o título de “Advento”, período de quatro semanas que antecede a festa do Natal, o poeta e novelista irlandês Patrick Kavanagh revela sua intenção de renovar-se como uma criança, pela assunção de um estado de inocência, anterior ao alimento extraído à árvore do conhecimento, fruto que, alegoricamente, ensejou a queda do casal primevo e de toda a sua descendência.

 

Kavanagh pondera que a “larga fresta” por onde tudo transita ofusca o potencial de arrebatamento, uma vez que a mente se deixa capturar pelo excesso de consciência e de autoindulgência. Ou por outra: é preciso ter a mente de uma criança, novamente, para que sejamos capazes de nos maravilhar com tudo; ter contentamento nas coisas simples, pela mudança na forma de vê-las.

 

O poema recolhe as imagens de uma Irlanda que restaram indeléveis na mente do poeta: charcos, estábulos e a colina de Ulster – similares às do cenário de Belém –, lá onde a contagem do tempo começa, leia-se, no momento mesmo do nascimento de Cristo.

 

É num mundo ordinário, e não extraordinário, que Kavanagh busca a presença divina, para experimentá-la, vivenciá-la e desfrutá-la, sem muitos questionamentos: a parte final do poema transita da forma verbal futura para a pretérita – ocasião em que sugere que joguemos fora os encargos da vida adulta e assumamos o nosso lado criança –, após o que o tempo regressa ao presente, quando faz referência à chegada de Cristo com uma flor de Janeiro.

 

No poema, nota-se ainda a clara associação de um verso para cada dia das quatro semanas do Advento: são 28 ao todo, que bem dariam dois sonetos, muito embora a forma visual de apresentação adotada por Kavanagh seja algo inusitada, como se pode ver na sequência.

 

J.A.R. – H.C.

 

Patrick Kavanagh

(1904-1967)

 

Advent

 

We have tested and tasted too much, love −

Through a chink too wide there comes in no wonder.

But here in the Advent-darkened room

Where the dry black bread and the sugarless tea

Of penance will charm back the luxury

Of a child’s soul, we’ll return to Doom

The knowledge we stole but could not use.

 

And the newness that was in every stale thing

When we looked at it as children: the spirit-shocking

Wonder in a black slanting Ulster hill

Or the prophetic astonishment in the tedious talking

Of an old fool will awake for us and bring

You and me to the yard gate to watch the whins

And the bog-holes, cart-tracks, old stables where Time begins.

 

O after Christmas we’ll have no need to go searching

For the difference that sets an old phrase burning −

We’ll hear it in the whispered argument of a churning

Or in the streets where the village boys are lurching.

And we’ll hear it among decent men too

Who barrow dung in gardens under trees,

Wherever life pours ordinary plenty.

Won’t we be rich, my love and I, and

God we shall not ask for reason’s payment,

The why of heart-breaking strangeness in dreeping (*) hedges

Nor analyse God’s breath in common statement.

We have thrown into the dust-bin the clay-minted wages

Of pleasure, knowledge and the conscious hour −

And Christ comes with a January flower.

 

Advento - Ontem, Hoje e Sempre

(Matt Whitney: artista norte-americano)

 

Advento

 

Temos experimentado e saboreado por demais, amor –

Por meio de uma larga fenda que nos chega sem surpresa.

Mas aqui na câmara escura do Advento

Onde o seco e negro pão e o chá sem açúcar

Da penitência atrairão de volta a opulência

Da alma de uma criança, nós devolveremos ao Juízo

O conhecimento subtraído que não logramos empregar.

 

E a novidade que se encontrava em todas as coisas pretéritas

Quando para elas olhávamos como crianças: a estupefaciente

Admiração numa escura colina inclinada de Ulster

Ou o assombro profético na conversa tediosa

De um velho estulto revelar-se-ão para nós e conduzirão

Você e eu ao portão do jardim para vermos as giestas

E os regos do charco, carreiros, velhos estábulos onde o Tempo começa.

 

Ó, depois do Natal não haverá necessidade de ir em busca

Da diferença que elucida uma antiga frase em chamas –

Vamos ouvi-la no colóquio sussurrado em volta do misturador

Ou nas ruas onde os meninos da aldeia cambaleiam.

E a escutaremos também entre homens decentes

Que estrumam carrinhos de mão nos jardins sob as árvores,

Onde quer que a vida difunda a costumeira abundância.

Não seremos ricos, meu amor e eu, e graças a

Deus não haveremos de questionar os fundamentos,

O porquê da lancinante estranheza das encharcadas, mas firmes sebes,

Tampouco analisar uma asserção corrente sobre o sopro divino.

Temos lançado no caixote do lixo os proventos em argila cunhada

Do prazer, do conhecimento e da hora consciente –

E Cristo aparece com uma flor de Janeiro.

 

Nota:

 

(*) “Dreeping”, pelo que andamos a investigar, parece ser um neologismo, a fundir as palavras “dripping” (encharcado) e “deep” (profundo). O termo teria aparecido, de início, no Capítulo 18 de “Ulysses”, e no Livro 3, Capítulo 2, de “Finnegans Wake”, ambos do também irlandês James Joyce.

 

Referência:

 

KAVANAGH, Patrick. Advent. In: ORDER OF SAINT BENEDICT. The glenstal book of readings for the seasons. Collegeville (MN): Liturgical Press Saint John’s Abbey, 2008.  p. 12-13.

  

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