Os sinos dos campanários têm forte relação com o chamamento dominical para
os rituais religiosos. E o “rei dos vampiros” se compraz em tocá-los nas
torres, para fazer ribombar o seu som estridente por toda a região contígua,
seja na cidade seja na aldeia.
O poema “Os Sinos”, de Poe, a que diz respeito esta postagem, não está relacionado diretamente com as
festividades natalinas, mas, ainda assim, com elas encontram algum vínculo,
quando se sabe que são exatamente os sinos que nos convocam, por exemplo, para a Missa do Galo,
celebrada à meia-noite de 24 a 25 de dezembro.
Poe se aproveita muito bem de recursos literários como a aliteração e a
onomatopeia para introduzir força elocutória à sua criação, que, partindo de
imagens luminosas, avança paulatinamente a tons mais sombrios, como se
procurasse reprisar o lento e irreversível avançar da vida em direção ao seu
remate.
J.A.R. – H.C.
“Dois anos antes da
sua morte, Poe conheceu o reverendo Cotesworth P. Bronson. Reverendo Bronson
foi um elocucionista, alguém que lê poesia em voz alta de um modo bastante
expressivo. Ele encorajou Poe a escrever poemas que poderiam ser declamados em
voz alta para uma audiência. Poe anuiu em tentar, e ‘The Bells’ foi um dos
poemas que surgiram a partir da sugestão do reverendo. Não deixe de ler este
poema em voz alta para que você possa ouvir como o som e os significados do poema
trabalham juntos.
‘Os Sinos’ está
dividido em quatro partes, e cada parte diz respeito a um conjunto diferente de
sinos. Na primeira parte, ouvimos o tilintar dos sinos de prata, e nós pensamos
na alegria da infância. Quando ouvimos sinos nupciais da segunda parte,
pensamos em amor e esperança. Os sinos da terceira parte são brônzeos sinos de
alarme, cuja vibração alerta para o perigo de fogo durante a noite. Estes sinos
nos fazem pensar sobre as tragédias que a vida pode fazer irromper à medida que
envelhecemos. Na parte final, ouvimos os sinos de ferro. ‘Pois em cada som
saído da garganta enferrujada há um gemido!’. Que tipo de sinos você julga que
eles são?” (POE, 1995, p. 23).
Edgar Allan Poe
(1809-1849)
The Bells
I
Hear the sledges with the bells −
Silver bells!
What a world of merriment their melody foretells!
How
they tinkle, tinkle, tinkle,
In
the icy air of night!
While
the stars that oversprinkle
All
the heavens, seem to twinkle
With a crystalline delight;
Keeping
time, time, time,
In a
sort of Runic rhyme,
To the tintinnabulation that so musically wells
From the
bells, bells, bells, bells,
Bells, bells, bells −
From the
jingling and the tinkling of the bells.
II
Hear the mellow wedding bells
Golden bells!
What a world of happiness their harmony foretells!
Through the balmy air of night
How
they ring out their delight!
From the molten-golden notes,
And all in tune,
What a liquid ditty floats
To the
turtle-dove that listens, while she gloats
On the moon!
Oh,
from out the sounding cells,
What a gush of euphony voluminously wells!
How it swells!
How it dwells
On
the Future! how it tells
Of
the rapture that impels
To
the swinging and the ringing
Of
the bells, bells, bells,
Of the
bells, bells, bells, bells,
Bells, bells, bells −
To the
rhyming and the chiming of the bells!
III
Hear the loud alarum bells −
Brazen bells!
What tale of terror, now, their turbulency tells!
In the
startled ear of night
How
they scream out their affright!
Too
much horrified to speak,
They
can only shriek, shriek,
Out of tune,
In a clamorous appealing to the mercy of the fire,
In a mad expostulation with the deaf and frantic
fire,
Leaping higher, higher, higher,
With a desperate desire,
And
a resolute endeavor
Now −
now to sit or never,
By the
side of the pale-faced moon.
Oh, the bells, bells, bells!
What a tale their terror tells
Of Despair!
How
they clang, and clash, and roar!
What a
horror they outpour
On the bosom of the palpitating air!
Yet
the ear, it fully knows,
By the twanging,
And the clanging,
How
the danger ebbs and flows;
Yet,
the ear distinctly tells,
In
the jangling,
And
the wrangling,
How
the danger sinks and swells,
By the sinking or the swelling in the anger of the
bells −
Of the bells −
Of the bells,
bells, bells, bells,
Bells, bells, bells −
In the
clamour and the clangour of the bells!
IV
Hear the tolling of the bells −
Iron bells!
What a world of solemn thought their monody
compels!
In the
silence of the night,
How we
shiver with affright
At the
melancholy meaning of their tone!
For
every sound that floats
From
the rust within their throats
Is a groan.
And
the people − ah, the people −
They
that dwell up in the steeple,
All alone,
And
who, tolling, tolling, tolling,
In that muffled monotone,
Feel
a glory in so rolling
On the human heart a stone −
They
are neither man nor woman −
They
are neither brute nor human −
They are Ghouls: −
And
their king it is who tolls;
And
he rolls, rolls, rolls, rolls,
Rolls
A
pæan from the bells!
And
his merry bosom swells
With the pæan of the bells!
And
he dances, and he yells;
Keeping time, time, time,
In a
sort of Runic rhyme,
To the pæan of the bells −
Of the bells:
Keeping time, time, time,
In a
sort of Runic rhyme,
To the throbbing of the bells −
Of the bells, bells, bells −
To the sobbing of the bells;
Keeping time, time, time,
As he knells, knells, knells,
In a
happy Runic rhyme,
To the rolling of the bells −
Of the bells, bells, bells −
To the tolling of the bells,
Of the
bells, bells, bells, bells −
Bells, bells, bells –
To the
moaning and the groaning of the bells.
The Bells, Bells, Bells
(Brenda Ferguson: 2012)
Os Sinos
I
Escuta: nos renós
tilintam sinos
argentinos!
Ah! que mundo de
alegria o som cantante prenuncia!
Como tinem, lindo, lindo,
no ar da noite fria e bela!
Vão tinindo e o céu
inteiro se constela,
florescente, refulgindo
com deleites cristalinos!
Dão ao Tempo uma
cadência tão constante
como um rúnico descante,
com os
tintinabulares, pequeninos sons, bem finos,
que nascendo vão dos sinos,
sim, dos sinos, sim, dos sinos,
saltitantes,
bimbalhantes, dentre os sinos.
II
Escuta: em núpcias
vão cantando os sinos,
áureos sinos!
Quantos mundos de
ventura seu tanger nos prefigura!
No ar da noite, embalsamado,
como entoam seu enlevo abençoado!
Tons dourados, lentas notas
concordantes...
E tão límpido poema
aí flutua
para as rolas que o
escutam, divagantes,
vendo a lua!
Volumoso, vem das
celas retumbantes
todo um jorro de eufonia
que se amplia,
“O futuro é belo e
bom!”
– clama o som,
que arrebata, como em
êxtases divinos,
no balanço repicante
que lá soa,
que tão bem, tão bem ecoa
na vibrante voz dos
sinos, sinos, sinos,
carrilhões e sinos, sinos,
no rimado, consonante
som dos sinos.
III
Escuta: em longo
alarma bradam sinos,
brônzeos sinos!
Ah! que história de
agonia, turbulenta, se anuncia!
Treme a noite, com pavor,
quando os ouve em seu
bramido assustador.
Tanto é o medo que, incapazes de falar,
se limitam a gritar,
em tons frouxos, desiguais,
clamorosos, apelando
por clemência ao surdo fogo,
contendendo
loucamente com o frenesi do fogo,
que se lança bem mais alto,
que em desejo audaz estua
de, no empenho resoluto de algum salto
(sim! agora ou nunca mais!),
alcançar a fronte pálida da lua!
Oh! os sinos, sinos, sinos!
De que lenda pavorosa, de alarmar,
falam tanto?
Clangorantes,
ululantes, graves, finos,
quanto espanto vertem, quanto,
no fremente seio do ar!
E por eles bem a
gente sabe – ouvindo
seu tinido,
seu bramido –
se o perigo é vindo ou findo.
Bem distintamente o ouvido reconhece
pela luta,
na disputa,
se o perigo morre ou
cresce,
pela ampliante ou decrescente
voz colérica dos sinos,
badalante voz dos sinos,
sim, dos sinos, sim, dos sinos,
do clamor e do
clangor que vêm dos sinos!
IV
Escuta: dobram,
lentamente, os sinos,
férreos sinos!
Ah! que mundo de
pensares tão solenes põem nos ares!
Na silente noite fria,
quando a alma se arrepia
à ameaça desse canto
melancólico de espanto!
Pois em cada som
saído
da garganta enferrujada
há um gemido!
E os sineiros (ah!
essa gente
que, habitando o campanário
solitário,
vai dobrando,
badalando a redobrada
voz monótona e
envolvente...),
quão ufanos ficam
eles, quando vão
tombar pedras sobre o
humano coração!
Nem mulher nem homem são,
nem são feras: nada mais
do que seres fantasmais.
E é seu Rei quem
assim tange,
é quem tange, e
dobra, e tange.
E reboa
triunfal, do sino, a
loa!
E seu peito de
ventura se intumesce
com os hinos
funerários lá dos sinos;
dança, ulula, e bem
parece
ter o Tempo num
compasso tão constante
qual de rúnico
descante,
pelos hinos lá dos
sinos!
Ah! dos sinos!
Leva o Tempo num
compasso tão constante
como em rúnico descante,
pela pulsação dos sinos,
a plangente voz dos sinos,
pelo soluçar dos sinos!
Leva o Tempo em tal
compasso, tão constante,
que a dobrar se sente, ovante,
bem feliz esse rúnico descante,
com o reboar que vem dos sinos,
a gemente voz dos sinos,
o clamor que sai dos sinos,
a alucinação dos sinos,
o angustioso,
lamentoso, lutuoso
som dos sinos!
Performance de Phil Ochs
para o poema de Poe
Referências:
POE, Edgar Allan. The bells. In: __________. Poetry for young people. Edited by Brod Bagert & Illustrated by
Carolynn Cobleigh. New York (USA): Magnolia Editions, 1995. p. 23-26.
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