Da lavra do eclético artista da palavra lusitano, Jorge de Sena,
trazemos um poema embebido no mais genuíno ceticismo, a relembrar um presumível
Natal no qual o poeta não viu qualquer motivo para comemorar, talvez por razões
de ordem política, possivelmente em Portugal e, mais extensivamente, ao redor
do mundo.
J.A.R. – H.C.
Jorge de Sena
(1919-1978)
Natal de 1971
Natal de quê? De
quem?
Daqueles que o não
têm?
Dos que não são
cristãos?
Ou de quem traz às
costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de
sangue?
Natal de liberdade
num mundo de
oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a
todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido,
em de um ventre
nascer-se,
em por de amor
sofrer-se,
em de morte
morrer-se,
e de ser-se
esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda
mata?
Natal de qual
esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é
traição,
vil ódio, mesquinhez,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De
quem?
Daqueles que o não
têm,
ou dos que olhando ao
longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se
torturam
e torturados são
na crença de que os
homens
devem estender-se a
mão?
(Novembro 71)
Referência:
SENA, Jorge de. Natal de 1971. In: __________. Versos e alguma prosa de Jorge de Sena. Prefácio e selecção de textos de Eugénio Lisboa. Lisboa (PT): Arcádia e Moraes, 1979. p. 109.
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