Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Jorge de Sena – Natal de 1971

Da lavra do eclético artista da palavra lusitano, Jorge de Sena, trazemos um poema embebido no mais genuíno ceticismo, a relembrar um presumível Natal no qual o poeta não viu qualquer motivo para comemorar, talvez por razões de ordem política, possivelmente em Portugal e, mais extensivamente, ao redor do mundo.

J.A.R. – H.C.

Jorge de Sena
(1919-1978)

Natal de 1971

Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido,
em de um ventre nascer-se,
em por de amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhez,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens
devem estender-se a mão?

(Novembro 71)


Referência:

SENA, Jorge de. Natal de 1971. In: __________. Versos e alguma prosa de Jorge de Sena. Prefácio e selecção de textos de Eugénio Lisboa. Lisboa (PT): Arcádia e Moraes, 1979. p. 109.

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